Sea of Thieves tem o carisma da Rare, mas se perde em oceano de boas ideias

 

Quando Sea of Thieves foi anunciado na E3 de 2015, minha reação não poderia ser mais eufórica: finalmente, após muitos anos, eis um novo jogo da Rare, uma das minhas desenvolvedoras favoritas desde os idos do Super Nintendo.

Todo aquele charme dos piratas, em que o trabalho coletivo é priorizado, em que há mercenários, tesouros escondidos, ilhas inóspitas e lendas a serem ressuscitadas... Tudo isso num mundo online, compartilhado, em que cada um escreve sua própria história ao lado dos amigos. No papel é genial.

E assim é Sea of Thieves: um jogo sobre piratas que se beneficia de toda a infraestrutura online que a Microsoft pode oferecer para entregar, aos jogadores, uma experiência completamente multiplayer. E na prática, como funciona?

Bem-vindo a um mundo de carisma e de cores vibrantes

Sem qualquer tipo de sinalização sobre o que você tem que fazer, para onde deve ir ou um mínimo de background daquele mundo pirata, Sea of Thieves aposta em seus instintos de exploração e oferece, basicamente, três facções para as quais você pode fazer quests: os acumuladores de ouro, a ordem das almas e a aliança mercante.

O visual cartunesco, que é marca registrada da Rare, está assegurado em toda sua glória. O estúdio tem bagagem em adotar um tom de comédia em suas obras, sempre muito light, com um tipo de humor inocente e lotado de personagens caricatos, que imprimem estilo e personalidade.

Sea of Thieves não é diferente, e isso já fica exposto logo no começo, com a seleção de chars que você pode escolher como pirata para se aventurar pelos mares.

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Curioso notar que a Rare também é calejada em abordar essa temática. A trilogia Donkey Kong Country já tirou de letra as fases adornadas pelo tom piratesco, principalmente o segundo jogo. Banjo-KazooieBanjo-Tooie também beliscaram o estilo, além de Donkey Kong 64. Talvez você não se lembre, mas Pirates! é um point and click dos bons lá no começo dos anos 90, também da Rare, e veste a mesma roupagem.

A navegação marítima é incrível. As ondas batem e rebatem como se você estivesse num turbilhão de ondas de tsunami. Esse mérito ninguém tira de Sea of Thieves

A navegação marítima é incrível. Trabalhar cooperativamente funciona bem dentro do barco: um fica responsável por içar as velas, o outro controla o timão enquanto um terceiro membro da tripulação pronuncia as coordenadas do mapa. O quarto pirata pode ficar no topo observando possíveis perigos.

O mar faz a embarcação balançar igual um barco viking e chega a dar friozinho na barriga, principalmente quando a natureza resolve atacar sua equipe com maremotos das trevas. As ondas batem e rebatem como se você estivesse num turbilhão de ondas de tsunami. Esse mérito ninguém tira de Sea of Thieves.

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Tanto mar, tanto azul e tão pouco conteúdo

Os defeitos começam a aparecer no ponto mais crítico do jogo: a falta de conteúdo. Basicamente, você só faz três tipos de quests: caçar animais (há somente porcos, cobras e galinhas), encontrar baús enterrados e matar caveiras. Por mais que existam as charadas e as variantes de caveiras adaptáveis às suas armas para dar um contraste no gameplay, essa é a tônica que se repete em todas as ilhas – até mesmo nos desafios da imponente cabeça de caveira que flutua sobre o mar, como se fosse a lua de sangue de The Legend of Zelda: Breath of the Wild ao apimentar os combates.

Aliás, as ilhas são vazias: o que custava haver alguns NPCs nesses locais, ou quem sabe mais segredos, mais tarefas e, sobretudo, mais inimigos para você enfrentar? E, oras, onde estão os minigames? Atirar dardos, jogar cartas, dados ou fazer viradas de grogue? As bebidas, ao menos, já existem no jogo.

Há somente três inimigos diferentes: cobra, caveira e tubarão. Se você contar o Kraken, cujo encontro é aleatório, são quatro. As ilhas são vazias e repetem conteúdo. Ninguém questiona a diversão de eliminar ondas de caveiras nos fortes e pegar o líder delas ao lado de amigos, principalmente quando se trata de uma caveira dourada. Ou encontrar outros jogadores no mundo e ver quem reage primeiro, igual num faroeste de Clint Eastwood. O que se questiona é a repetição disso. É a falta de criatividade em inserir mais robustez ao que você faz – matar caveiras, achar tesouros e engaiolar animais. São só essas três atividades.

Não existe um sentimento verdadeiro de progressão; a reputação que você acumula com as facções e os prêmios em ouro só são convertidos, no final das contas, em itens cosméticos

E aí entra outro ponto crucial: o sistema de recompensas. Contemplar uma mensagem na garrafa, desenterrar um baú nos confins dos sete mares e voltar com ele aos portos são feitos que rendem a você moedas de ouro, que são trocadas por... Cosméticos. Só isso. Não existe um sentimento verdadeiro de progressão; a reputação que você acumula com as facções só é convertida, no final das contas, por itens cosméticos.

Você pode ter gasto duas horas matando hordas de caveiras, pegando baús escondidos ou enjaulando animais, que são as únicas quests do jogo: o resultado é um chapéu diferente, um adereço para a barba e por aí vai. É só isso que você compra com as moedas. Não há qualquer resquício de customização funcional de nada. Perdoem-me, mas é muito pouco. Ao menos dá para prender os folgados na estreita cela de cada barco ou encher a cara de grogue ao lado de seus companheiros.

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Conexões e organização das partidas

Outro ponto fraco diz respeito à organização das partidas: não é possível entrar numa sessão já iniciada com os amigos; vocês têm sempre de se reunir e começar a rodada juntos do zero. Para um jogo que se propõe a ser 100% online, essa limitação dá uma brochada no clima. Update: pouco tempo antes dessa análise ser publicada, a Rare lançou uma atualização que melhora o dinamismo das partidas e permite essas entradas.

Sea of Thieves não é um jogo necessariamente focado em combate e nem precisa ser. Ainda assim, o que se espera é que o mínimo seja feito, mas as lutas são tão simplórias que você fica com preguiça de se engajar nas batalhas depois de um tempo. Eventualmente, o golpe carregado faz o jogador se teletransportar para frente com problemas de frame-time que, até agora, persistem na experiência. Atenção: frame-time, e não frame-rate. Problemas de frame-time se traduzem naquelas engasgadinhas entre uma ação e outra. É uma variante de delay mesmo. A arma de fogo faz bem o dever de casa, assim como os canhões dos barcos.

Os problemas de conexão já diminuíram, mas Sea of Thieves foi aplacado por quedas constantes no lançamento. O número de acessos é grande e essa é uma ótima notícia para a desenvolvedora, mas convém lembrar que o título foi exaustivamente examinado em vários Betas que visaram fazer testes de estresse nos servidores. Offline, Sea of Thieves é injogável. Sozinho, Sea of Thieves é entediante. Quanto a isso, sem reclamações, pois desde o começo a Rare avisou que o jogo seria 100% multiplayer.

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O futuro

É difícil definir um público-alvo para Sea of Thieves. Se por um lado a Rare acertou em oferecer uma autêntica experiência de navegação marítima, por outro ela errou em deixar um mundo vago, com tarefas que se repetem, que se dividem em apenas três tipos e se convertem em ouro usado para comprar itens cosméticos e decorativos.

Tirar do jogador o sentimento real de progressão é fatal para a vontade de voltar a jogar. E não é uma questão de “ah, mas a Rare quis fazer algo diferente e as pessoas não estão entendendo”. É uma questão de trazer um produto que simplesmente tenha pouco conteúdo. E se muitos estão sentindo isso, bem, então alguma coisa está errada na concepção desse produto, que nem de longe vale os US$ 60 (ou R$ 200) pelo recheio que oferece. O acesso via Xbox Game Pass é o meio mais justo e democrático de experimentar Sea of Thieves.

O feedback de todos nós, jogadores, vai ser muito importante para o futuro de Sea of Thieves

Só o tempo dirá como se desenha o futuro de Sea of Thieves – e, nesse processo, o feedback de todos os jogadores vai ser muito importante. Quem sabe nós do Voxel possamos fazer uma outra matéria mais para frente, apontando uma nova nota, igual fizemos com The Division, que mudou após um ano de vida e melhorou muito? Vale sempre ressaltar que temos de analisar qualquer jogo tal como ele está. Não há bola de cristal para prever o futuro.

Ainda dá tempo da Rare ajustar a experiência de Sea of Thieves e colocar mais recheio nesse bolo por meio de atualizações. Por enquanto, só a massa está pronta.

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Um segundo olhar em Sea of Thieves por Kika Martini, apresentadora do Voxel

Não está sendo fácil falar de Sea Of Thieves. No seu primeiro anúncio, em 2015, eu confesso que não dei muita bola para o jogo, mas isso mudou quando, alguns meses atrás, eu fiz o especial “O que esperar de Sea Of Thieves” aqui no Voxel. O jogo tinha ideias interessantes e diferentes, e fiquei ansiosa para experimentá-lo. Mas, infelizmente, nem todas minhas expectativas foram atendidas.

Antes de tudo, preciso elogiar a Rare pela navegação. Tanto o visual quanto a mecânica e complexidade são incríveis. Você precisa prestar atenção em todos os detalhes – comprimento e direção da vela, âncora, direção.

A água é uma das mais realistas que já vi

A noção de imensidão é impressionante, e ver seu barco afundando no meio de uma tempestade chega até a dar um pouco de desespero. A água também é impressionante e, apesar de combinar com o visual cartunesco do jogo, é uma das mais realistas que eu já vi – a cor que muda dependendo do horário, o movimento das ondas, o efeito delas batendo no barco –, uma experiência completa e muito imersiva, que ajuda a deixar todo o resto divertido.

Porém, o jogo peca em outros aspectos. Para um jogo social, ele não promove muito a interação. Se seu amigo estiver jogando e você quiser se juntar a ele, ele precisa sair e criar uma partida nova, mesmo que tenha espaço para mais membros na tripulação. Se você encontrar algum pirata legal durante sua aventura, não existe opção de convidá-lo para fazer parte da sua tripulação. Esse é um jogo multiplayer; a integração dos jogadores deveria ser facilitada, e não dificultada. Um sistema de facções/guildas/clãs também seria uma ótima adição ao jogo no futuro.

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Para um jogo de mundo aberto sem nenhuma narrativa ou storytelling, ele se prende demais às quests fechadas – vá até essa ilha, pegue o baú e venda por ouro. Pegue duas galinhas e entregue para fulana em troca de ouro. Mate o capitão fantasma, pegue a caveira amaldiçoada e venda por ouro. Existem pouquíssimas surpresas e descobertas no jogo.

Durante uma partida, houve uma situação em que passei por uma ilha e, ainda no barco, fui atacada por canhões numa ilha. Fiquei curiosa com tanta proteção, então consertei o barco, manobrei, evitei outros piratas e dei um jeito de atracar em um lugar seguro para descer e explorar. Depois de todo esse trabalho, desci na ilha, matei algumas caveiras que tinham por lá... E só.

A interação social não é facilitada, e quase tudo acontece em função das três ordens, sem recompensas reais por atitudes que fogem do esperado

A ilha não tinha nada de diferente, só um lugar vazio e com jeito de abandonado, como todos os outros. Em outra situação, encontrei uma garrafa com um mapa dentro. Fui até o local do X e encontrei um tesouro. Vendi por ouro. E foi isso. E o que você faz com todo esse ouro? Compra itens cosméticos padrão, com o mesmo catálogo para todos os jogadores. Seria muito mais interessante se o mapa da garrafa tivesse, por exemplo, me dado um item muito raro, que só se consegue dessa forma.

Sea of Thieves infelizmente não surpreende dentro da sua estrutura. E quando surpreende, a recompensa é baixa – se você batalhar com um navio inimigo e sair vitorioso, só terá vantagem real se ele tiver algum tesouro, mercadoria ou caveira para você roubar. Senão, não existe um nível de pirata ou uma reputação global – tudo é em função das três ordens. Se você não tiver nada para elas, não ganha nível, e seu jogo não progride.

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Isso pode parecer aceitável no começo – afinal, o que vale é a diversão –, mas não funciona no longo prazo. Confesso que, na teoria, essa ausência de nível individual me pareceu uma boa ideia, mas não se traduziu bem na prática. Ela desvaloriza qualquer atividade fora do script das missões – o que não é nada bom para um jogo que se propõe a te deixar ser “o pirata que quiser”.

Sea of Thieves tem muito potencial, mas ainda não está no ponto certo para um jogo de R$ 200 (para quem não assina o Xbox Game Pass). Ele é um jogo muito amplo, mas ao mesmo tempo muito fechado e que não te surpreende. A interação social não é facilitada, e quase tudo acontece em função das três ordens, sem recompensas reais por atitudes que fogem do esperado. A expectativa é que a Rare evolua o jogo – e rápido – para finalmente você poder ser o pirata que quiser.

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Pontos Positivos
  • Com direito a friozinho na barriga, a navegação marítima é incrível e traz uma das melhores sensações virtuais de se velejar
  • Água extremamente simétrica, volumétrica e realista
  • Visual caricato, cheio de personalidade e estilo
  • Grandes lampejos de diversão na jogatina cooperativa com os amigos
Pontos Negativos
  • Basicamente, só quatro inimigos: cobra, tubarão, caveira e kraken
  • Apenas três tipos de quests: as penosas “fetch” quests, em que você deve engaiolar animais; a busca por tesouros e a eliminação de caveiras
  • Não há qualquer variedade de atividades – poxa, custava inserir um minigame de dados, jogos de cartas, atirar dardos, coisas que PIRATAS adoram praticar? Quem sabe pescaria?
  • Ilhas remotas vazias, sem NPCs, sem variedade de inimigos, sem atividades adicionais, sem incentivo à exploração, sem surpresas – e as poucas que aparecem resultam nas mesmas recompensas
  • Sistema de recompensa se traduz apenas em itens cosméticos e tira um sentimento valioso do jogador: o sentimento de progressão. A reputação das facções pouco acrescenta ao prato principal
  • Problemas de conexão foram parcialmente sanados, mas ainda acontecem. O jogo teve mais de um Beta só para fazer testes de estresse dos servidores