RAGE 2 é uma máquina de tiros deliciosa, mas sem tempero no mundo aberto

Antes de mais nada, segue, em nome da honestidade, um aviso: este review é uma extensão da análise em progresso postada na semana passada.

Como uma cria de dois estúdios experientes – id Software e Avalanche Studios –, RAGE 2 vende a ideia de unir o melhor de dois mundos: a técnica de um bom shooter, oriunda do vasto portfólio da id, e um mapa aberto explosivo, ramo que é especialidade da Avalanche.

Uma trouxe ao mundo Doom, Quake e HeXen, além de emprestar a tecnologia de sua engine para Wolfenstein, entre outros títulos. A outra desenvolveu Just Cause e Mad Max, dois jogos com abordagens originais em mundo aberto sob a mesma premissa: oferecer um playground regado a insanidade.

RAGE 2 tem cara de um e focinho do outro, percepção que pode ser sentida na primeira hora de jogo. Não que os dois estúdios tenham, necessariamente, a mesma excelência; a trajetória de um (id) é muito mais antiga que a do colega (Avalanche), e o fardo da tradição recai em doses diferentes aqui. Um tem peso de Corinthians ou Palmeiras; o outro é algo próximo de um Santos, com o perdão da brincadeira futebolística, feita em nome do espírito lúdico.

Shooter com peso e fluidez – talvez o melhor desde o reboot de Doom

Se colocarmos os estúdios de shooters enfileirados, nomes possantes passam pela indústria de games: DICE (de Battlefield), Respawn (de Titanfall e Apex Legends), Sledgehammer, Treyarch e Infinity Ward (os três cuidam de Call of Duty), mas nenhum – e quero frisar: nenhum – tem o pioneirismo da id Software.

A mesma que, lá atrás, no começo dos anos 90, fundada, entre outras pessoas, por John Romero e John Carmack – dois gigantes da indústria –, viria a definir um padrão para jogos de tiro em primeira pessoa.

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Um estilo cru, sem temperos, empecilhos ou firulas; é o contrário de gourmetização. São jogos sem frescuras, entregues em formato bruto, e RAGE 2 não tem a menor vergonha de vestir essa carapuça, mesmo que, para isso, deixe toda uma seriedade para trás – ninguém precisa dela aqui.

A mecânica de tiro do jogo é impecável. Corre em fluidez absurda e sem deixar a peteca cair, não devendo nada ao Doom de 2016 ou aos Wolfenstein.

Na verdade, o ritmo frenético, que é um dos cartões-postais de RAGE 2, acontece em detrimento de narrativa ou de personagens profundos, e isso jamais é um defeito. A Bethesda honestamente veiculou o título dessa forma em campanhas de marketing cheias de humor.

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Já o mundo aberto...

É tão, mas tão gostoso sentar o sarrafo no gatilho que às vezes você se esquece de que a outra metade de RAGE 2 – que cabe à Avalanche – não oferece o mesmo selo de qualidade. Sem muito tamanho, o mundo aberto tem aquela paleta desértica que se recicla por praticamente todo o mapa, cheio de vazios que provocam aquele sentimento de “ai, lá vou eu dirigir por esse mundo meio meh”.

Até existem pântanos, cavernas e instalações industriais que conseguem, vez ou outra, desafogar a tonalidade bege-clara das areias – e o rosa-choque, que virou símbolo para representar o apocalipse nos games, também ajuda. Mas, de um modo geral, seus olhos passam pelo ambiente com o mesmo sentimento que se tem ao correr numa esteira.

A competência do combate é completamente destoante da navegação pelo mundo aberto

Bugs técnicos também estão presentes. Em um deles, o som não se equaliza muito bem e perde o equilíbrio entre o alto e o baixo, fazendo com que você tome “sustos” ao ouvir um disparo muito mais barulhento e estridente do que o normal. Em outro, as legendas de diálogos simplesmente somem e há até uma solução bizarra: pausar e despausar o jogo. Problemas que são remediáveis com atualizações, sim, mas que provocaram aquela coceirinha chata durante a jogatina.

A competência do combate é completamente destoante da navegação pelo mundo aberto. A dirigibilidade é caseira; você parece estar controlando um “sabonetão” que se desloca para as laterais, como se fosse uma daquelas malas de viagem com rodas, guiadas por qualquer lado. O volante de RAGE 2 é bem desengonçado.

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História curta, mas funcional

A narrativa nunca foi uma bandeira de RAGE 2 e, conforme mencionado, ele se postou de maneira honesta ao longo de seu marketing. O foco é oferecer um playground explosivo, de rápida absorção, o famoso “ligue e jogue”, sem envolvimento profundo com trama ou personagens. É um produto descerebrado, no melhor sentido que isso possa ter.

Basicamente, há três personagens-chave com os quais você se corresponde ao longo da jornada: John Marshall, Loosum Hagar e Antonin Kvasir. Por incrível que pareça, o time de criação dos estúdios conseguiu conectar o primeiro RAGE com este em alguns momentos; muitos dos NPCs apareceram no game anterior e, aqui, retornam mais velhos, calejados e com discursos pessimistas.

Os três unem forças e precisam de sua ajuda para derrotar o General Cross, um tirano que quer controlar todo o Ermo, a tradução que o jogo dá para “Wasteland”, aquele mundo devastado e tomado por facções.

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As atividades se expandem pelo mapa, embora não ofereçam muita variedade – mas, sinceramente, não sinto falta de muitas outras coisas com aquele shooting crocante que o jogo oferece.

A coisa se resume a entrar, atirar e sair, eventualmente pedindo que você encontre algum item específico, derrube uma torre ou enfrente chefões colossais, que misturam as nuances demoníacas de Doom com o aspecto robótico de Wolfenstein.

Coloque aí na soma corridas, arenas com hordas de inimigos, um monte de habilidades que se mesclam bem aos tiroteios e RAGE 2 é um apanhado de tudo que existe no portfólio de shooters da Bethesda.

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Veredito

RAGE 2 é a id Software provando ser soberana em shooters. Nenhum outro estúdio, na minha singela opinião, chega perto dessa robustez, que consegue aliar velocidade com peso numa medida incrível, sem desequilibrar a precisão da retícula ou a movimentação do personagem. Usar os gatilhos é quase uma massagem aos dedos – no Xbox One X, plataforma em que joguei o shooter, essa afirmação é legítima. É um suco de testosterona.

O mundo aberto é que não segue o mesmo compasso. Os comboios à la Mad Max, por exemplo, parecem um lanche mal montado, quando o hambúrguer fica sambando de um lado para o outro, o bacon está mal colocado e há excesso de maionese – não há equilíbrio entre as partes envolvidas. Logo, a gostosura desse lanche existe em algumas partes bem temperadas, e não nele por inteiro.

Como a dirigibilidade é desengonçada, não há qualquer imersão nesse sentido, apenas uma dose de vodca, um prazer instantâneo rapidamente esquecível. Enfrente os comboios apenas se estiver a fim de uma rápida distração, mas não espere um retorno igualitário em prazer. Isso a gente deixa pro tiroteio em primeira pessoa mesmo.

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RAGE 2 não é muito diferente daquilo que propagou desde o momento em que foi anunciado. Nesse sentido, eu vejo honestidade na proposta, embora o mundo aberto, tecnicamente falando, seja muito limitado, assim como qualquer outra coisa que não envolva tiros, na verdade.

Apesar disso, o saldo é muito mais positivo do que negativo se pensarmos no quesito fundamental que um jogo precisa entregar: diversão. E humor é o que não falta aqui. Me diverti horrores com RAGE 2 e recomendo a dose – é rápida, forte e agridoce.

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Pontos Positivos
  • Impecável como shooter e mais uma prova de que a id Software é soberana no gênero
  • Esquece a seriedade – e o humor gerado a partir disso é ótimo
  • Retorno de personagens conhecidos
  • Habilidades superpoderosas se mesclam bem aos tiroteios
Pontos Negativos
  • Mundo aberto insosso
  • Dirigibilidade desengonçada
  • Bugs em áudio e em legendas (além dos tradicionais problemas técnicos de mundo aberto)
  • As missões poderiam ser estruturadas com mais originalidade