Coluna: por que adoramos o "fim do mundo" nos games

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A indústria do entretenimento sempre teve uma queda por temáticas apocalípticas. É difícil dizer como e quando começou essa onda de destruição, mas alguns dos primeiros materiais cinematográficos apareceram lá na década de 1950. Filmes como “Guerra dos Mundos” e “O Dia em que a Terra Parou” conquistaram o público.

Ao longo dos últimos 60 anos, Hollywood apresentou uma enormidade de roteiros, muitos inclusive foram reaproveitados e adaptados para os video games. Talvez, você nem repare nisso, mas os jogos abusam de invasão de alienígenas, infestação de zumbis, guerras nucleares, pandemias, singularidade e outros tantos temas.

Alguns produtores e jornalistas dizem que está na hora de frear essas produções que estão deixando o mercado saturado com games com uma mesma linha de raciocínio (ou a falta dele). Outros até indagam o porquê de continuar batendo nessa mesma tecla, visto que os jogos só mostram diferenças visuais.

Eu concordo em parte com essas ideias, mas creio que possa haver um equilíbrio. Gosto muito de jogos que abusam dessas temáticas e acho que as desenvolvedoras devem continuar investindo na produção desses títulos, mas vejo que talvez seja necessário algumas adaptações para agradar a diferentes tipos de jogadores.

Não é exatamente o fim do mundo

A primeira coisa que devemos esclarecer é que poucos jogos trabalham sobre a premissa do fim do mundo. Normalmente, games como Metro 2033 e Resistance colocam o jogador em um cenário catastrófico após um evento (que inclui uma série de criaturas bizarras) que devastou uma cidade, um país ou, em alguns casos extremos, todo o planeta.

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Contudo, seja qual foi a treta que rolou, em geral, o mundo não acabou e você deverá batalhar para vingá-lo. Sempre há cenários familiares (mesmo que fictícios) para explorar, uma ideia cinematográfica para salvar os sobreviventes, uma possibilidade de beijar a mocinha e uma chance de salvar o dia e aguardar pela continuação da história.

Na verdade, não há muitas histórias que mostrem a Terra explodindo ou sofrendo danos irreparáveis que forcem os humanos (incluindo o protagonista do game) a fugir para outros planetas. A ideia de fim de mundo abordada pelas desenvolvedoras é mais no sentido da mudança abrupta que ocorre devido a um determinado problema de difícil superação.

Gostamos do caos

O público gamer gosta de títulos que apelem para um cenário pós-apocalíptico. A simples ideia de sobreviver em meio a uma guerra alienígena ou a possibilidade de explorar um mundo habitado por mortos-vivos é algo que mexe com a nossa mente.

Há muitas teorias que tentam justificar porque gostamos de zumbis, aliens e outros bichos. Alguns motivos para que esses assuntos façam tanto sucesso é porque eles mexem com a simples possibilidade de um colapso na sociedade como ela existe.

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Nós temos medo — e curiosidade — que alguma coisa terrível acabe com tudo, por isso gostamos de jogos desse tipo. Os jogos propiciam uma forma de encararmos essas possíveis ameaças e de vivenciarmos o papel de herói. É uma forma de superar um medo que talvez não tenha o mínimo fundamento.

Na verdade, em todo jogo existe essa ideia de você assumir o papel daquilo que você não pode ser na vida real (seja por incapacidade ou impossibilidade). Nem todo mundo pode ser um piloto profissional, um general do exército, um arqueiro ou alguém capaz de manejar uma arma durante um apocalipse zumbi.

A imaginação é a principal responsável por nos dragar para esse mundo caótico. Uma vez que entramos de cabeça nessas ideias apocalípticas, queremos salvar o mundo, sobreviver, salvar a mocinha ou simplesmente explodir tudo.

Jimmy Zielinski, diretor criativo de Call of Duty: Zombies, sugere que as pessoas gostam da matança de zumbis porque as pessoas podem matar criaturas semelhantes a humanos, mas que não são pessoas. Isso deixa os jogadores com a consciência limpa e contentes por serem os grandes heróis do mundo.

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Para complementar, Sebastian Reichart (produtor de Dead Island) comentou, em entrevista ao site IGN, que enquanto houver uma justificativa para a chacina, as pessoas vão querer participar e, de preferência, da forma mais brutal possível.

O apocalipse é muito lucrativo

Juntando o fato de que gostamos de games com propostas caóticas e considerando que isso pode gerar grande economia no desenvolvimento do jogo — afinal, basta readaptar alguma proposta ou copiar descaradamente uma determinada história —, as desenvolvedoras tendem a continuar trabalhando em novos projetos apocalípticos. É um mercado que dá dinheiro!

Se você for ver, um jogo de zumbi qualquer (que seja bem genérico) é vendido pelo mesmo preço de um título de alta qualidade (como Gears of War). Para o jogador, os dois custam a mesma coisa, mas, para a desenvolvedora, esses jogos “comuns” de zumbi são bem mais baratos e ainda podem gerar um lucro extra com as tantas DLCs e itens adicionais.

Um bom roteiro faz toda diferença

Apesar de gostar de jogos apocalípticos, devo deixar claro que fico triste com a falta de roteiro em muitos desses títulos. As histórias são bem superficiais e, em alguns casos, sequer há uma boa motivação para você partir para a matança — não que isso me impeça de me divertir com jogos rasos. São games bem superficiais que visam apenas proporcionar diversão (felizmente, eles são bem sucedidos nesse aspecto).

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Vamos pensar no caso do Left 4 Dead (este é apenas um exemplo, não quero criticar a falta de roteiro, pois sei que este FPS não quer contar uma grande história). A trama do jogo é a mesma de sempre: um vírus contaminou quase todo mundo e somente alguns poucos (incluindo você) sobreviveram. Esse e tantos outros jogos seguem essa linha.

Para quem busca diversão casual, jogos como Left 4 Dead são perfeitos, pois não exigem muita atenção na história. Entretanto, eu enxergo perfeitamente que há um exagero na produção desse tipo de game. Há títulos demais almejando a diversão sem querer desenvolver um mínimo de motivação.

A falta de games audaciosos foi um dos tantos motivos pelos quais The Last of Us fez sucesso. A equipe da Naughty Dog caprichou no apocalipse. Quem jogou sabe que o roteirista não teve medo de se arriscar apelando para elementos reais (como o fungo que gerou todo o caos) e algumas temáticas mais pesadas — as primeiras cenas são chocantes.


Uma boa ideia que está para chegar vem da Ubisoft. Em The Division, a empresa visa colocar o jogador em uma situação inusitada: você faz parte de uma organização que quer conter o caos em Nova York e ajudar a população na luta contra um vírus letal (que foi espalhado através de notas de dinheiro). Neste jogo, existe a questão de conter um possível apocalipse.

A mesmice na premissa, nos meios e na finalização dos jogos poderia ser quebrada com um pouco de ousadia. A destruição do mundo ou, quem sabe, um grande choque (a morte do protagonista ou a impossibilidade de salvar o planeta) na conclusão do jogo poderia ser uma boa ideia para fugir do padrão.

Esses jogos devem continuar existindo!

The Last of Us mereceu destaque por usar o apocalipse apenas como um pretexto — o foco não está na matança de zumbis, mas sim no drama dos personagens principais. Claro, nem todos os jogos podem seguir essa ideia e, sinceramente, eu penso que não é interessante que todos comecem a fazer uma abordagem mais profunda na história.

Se todas as empresas buscassem criar apenas jogos como o da Naughty Dog, logo teríamos um mercado saturado de boas histórias e isso não necessariamente agradaria a maior parte do público (que aparentemente adora um bom FPS livre de roteiro).

O que quero esclarecer é que talvez se tivéssemos um ou outro título a mais com maior profundidade de detalhes, quem sabe os jogadores pudessem desenvolver novas emoções e interagir de maneiras diferentes com seus video games. Para mim, não há problema nessa imensidão de games idênticos, mas há uma deficiência na falta de grandes histórias.

Enfim, eu sinceramente gosto mais de jogos com histórias caprichadas, mas não vejo problema algum na coexistência entre títulos com enredos simplificados (ou até sem qualquer roteiro) e de games com ideias bem elaboradas e apresentadas de forma convincente.

A única coisa que posso reclamar é da pequena quantidade de jogos mais profundos. De qualquer forma, eu vou continuar aproveitando o fim do mundo nos games, pois cada desenvolvedora apresenta um novo universo e mesmo o mais simples tiroteio pode ser suficiente para nos fazer dar risada. Você está satisfeito com esses games?

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