Especial: a evolução do aumento do orçamento de jogos

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Quando você chega em casa após ter gasto seu rico dinheirinho em um novo game (ainda mais aqui no Brasil, país em que cada compra dessa natureza constitui um “investimento”), talvez nem imagine o processo que envolve a produção do título. Esboçar números é fácil, mas os bastidores resguardam muito mais segredos do que imaginamos – e gastos exorbitantes.

Os games constituem, hoje, o segmento que mais movimenta dinheiro na indústria de entretenimento. Milhões são gastos em orçamentos inchados e cheios de peculiaridades, num processo que envolve locação de estúdios, marketing, contratação de atores para o trabalho de dublagem, captura de movimentos, especialistas em sonorização e equalização para cuidar da trilha sonora, publicidade etc.

Sem falar nos direitos de imagem que alguns jogos utilizam. Hoje, em função de sua natureza universal, os games adotaram uma postura comercial muito forte e emprestam seu espaço – ou melhor, alugam – para marcas e produtos que vêm aqui do mundo real. Ou você acha que aquele “iFruit” do GTA 5 é uma mera sátira com a Apple?

Os US$ 60 cobrados por um lançamento lá nos EUA precisam triplicar em vendas nas prateleiras para começar a ver o retorno e enxergar o lucro. E as publishers, 90% das vezes, não divulgam o orçamento de suas produções.

O mais interessante é que isso funciona desde o tempo da onça, ou melhor, desde quando games se transformaram em negócio, talvez lá no começo de 1980. O barato sai bem caro.

Em 1982, período fértil no mercado, sai um game em que o E.T. aparece. Quanto? US$ 23 milhões

A licença para usar a imagem do E.T., personagem que dá nome ao consagrado filme de Steven Spielberg, custou a bagatela de US$ 23 milhões. E isso já naquela época! Estamos falando do jogo Master of the Game, título exclusivo para o extinto (porém jamais esquecido) Atari.

Alguns nomes começaram a se tornar “produtos” e abusar de sua imagem com o tempo. Títulos como Frogger, Dragons’s Lair, Ultima, Full Throttle, cruzando aí um período de 1982 até mais ou menos 1993, ultrapassaram a casa dos US$ 10 milhões em marketing e custos de produção. Hoje, praticamente qualquer gamer faz um jogo bom gastando miséria com programas como o Flash, mas, naquela época, a coisa era bem diferente.

Queimando a grana em marketing: Mortal Kombat 2, Crash Bandicoot, Wing Commander e mais

Mesmo após o início da década de 1990, quando os jogos começaram a adquirir uma postura madura e voltada a um nicho muito maior de consumidores, os custos ainda não chegavam perto do orçamento de blockbusters da indústria cinematográfica.

O primeiro Mortal Kombat, por exemplo, nasceu de uma equipe enxuta da Acclaim e só depois, com o sucesso, pôde investir mais cifras a partir de Mortal Kombat 2. De acordo com números levantados pelo New York Times, a desenvolvedora teria gasto mais de US$ 10 milhões apenas em marketing para o game de luta.

Em 1996, Crash Bandicoot, tido por muito tempo como o mascote da família PlayStation em sua bombástica estreia no PS1, gastou cerca de US$ 3 milhões para ser desenvolvido, fora os custos adicionais com divulgação e marketing. O fato de não utilizar “licença” para nomes de marcas ou pessoas – e também, convenhamos, por conceber um marsupial como protagonista – conferiu um trabalho “bom e barato” para o começo de vida da Naughty Dog.

Wing Commander 4, sequência do consagrado game de combate espacial, começou a se aventurar nos vídeos em live-action e na tecnologia que alternava renderizações (gráficos gerados em tempo real e pré-renderizados), o que gerava um custo maior na produção e no desenvolvimento. Foram gastos cerca de US$ 10 milhões no game.

Títulos como Oddworld: Abe’s Oddysee, Twisted Metal, Riven, Grim Fandango, Thief: The Dark Project, EverQuest, entre outros, passam no rol das produções que começaram a beliscar a casa dos US$ 20 milhões. Mas foi um jogo em especial, para um tal de Dreamcast, que “inaugurou” uma nova era nas superproduções.

Shenmue: orçamento de quase US$ 50 milhões em 1999

Shenmue nasceu como o maior chamariz do extinto Dreamcast, último console da Sega e que deixa saudades justamente por ter, em sua biblioteca, títulos como Shenmue.

Yu Suzuki, a mente por trás da obra, declarou, numa apresentação da GDC em 2011 (ou seja, muitos anos após o lançamento do jogo), que Shenmue custou a bagatela de US$ 47 milhões — em custos com dublagem, captura de movimentos de atores reais, licenças para uso de marcas, marketing e outros aspectos. A grandiosidade do game é certamente uma das melhores lembranças dos jogadores entusiastas — e Shenmue tem toda a pinta de uma superprodução.

Títulos como Jak and Daxter, as adaptações de Lord of the Rings e Matrix, entre outros jogos – hoje defasados –, tiveram que desembolsar valores que se aproximavam da casa dos US$ 30 a US$ 50 milhões.

Meados de 2000: orçamentos caríssimos em Driv3r, Half-Life 2 e... World of Warcraft, estimado em US$ 200 milhões

Quando as perseguições de Driver foram para o mundo aberto, as cifras também foram para o “open-world”. Na década de 2000, os games lideram a indústria de entretenimento com muita fartura, e qualquer rabisco, num título pequeno que seja, custa milhões.

Driv3r (nominho complicado de escrever) veio com pompas de promessas num orçamento de quase US$ 40 milhões. Gastos envolvendo marketing, desenvolvimento, contratação de equipe para nova engine gráfica, fotografia e outros aspectos de uma produção tipicamente hollywoodiana estavam ali. Bruno Bonnell, chefão da Atari, revelou o valor ao Wall Street Journal.

Mas foi World of Warcraft, o pai dos MMORPGs, que, em função de sua natureza “mundial”, somou mais de US$ 200 milhões para ser lançado. Duzentos milhões! Os quatro anos de desenvolvimento deram à Blizzard o status de maior publisher da categoria e envolveram dublagem, trabalho com diversas engines diferentes, gastos com servidores, localização e tradução, entre outros aspectos.

Títulos de ponta como Gears of War, Lost Planet, Ghost Recon: Advanced Warfighter e outros, por resgatarem temas relacionados a guerras e exigirem milhares de atores trabalhando em conjunto, também chegaram ao patamar dos US$ 50 – US$ 100 milhões.

Sétima e oitava gerações: os games estão numa bolha orçamentária e constituem o mercado de entretenimento mais caro do mundo

Não é segredo para ninguém que a indústria de games atravessa um momento de luxo faz tempo. Estamos numa era em que as microtransações, a publicidade espontânea e o mercado digital são absolutamente comuns.

Os games alcançaram quase todas as massas, ressalvando-se apenas o fato de existirem disparidades econômicas que impedem algumas sociedades (a nossa inclusive) de ter acesso total a esse conteúdo.

Portanto, de “nicho” os games passaram para “massa” mesmo. Produções como The Last of Us, BioShock Infinite, Tomb Raider e um tal de GTA 5 ultrapassam a casa dos US$ 100 milhões em custos que envolvem direitos de imagem, equipe de desenvolvimento, dublagem, captura de movimentos e de ambientações, fotografia, propaganda interna, marketing, distribuição (setorizada ou não) e muito mais.

É por isso que diversos indies com potencial brotam no Kickstarter: eles ofegam perto da demanda que existe para o título estar presente nas plataformas. Quando esses jogos — muitos dos quais são bastante promissores, diga-se de passagem — conseguem chegar a uma PSN ou Xbox LIVE da vida, eles precisam receber apoio de parceiros e tirar dinheiro do próprio bolso numa tacada de sorte.

Sem falar nos zilhões de acordos comerciais que rolam entre publishers. Destiny, por exemplo, vem das mãos da Bungie, que antes cuidava de Halo e agora se desvinculou da Microsoft – pois seu cofrinho já estava bem cheio para gastar a bagatela de quase US$ 150 milhões numa superprodução como Destiny.

Resta saber até onde essa bolha orçamentária nos games pode ir. Contanto que continue sendo saudável ao mercado e aos jogadores, o retorno financeiro é apenas o resultado natural de um trabalho que merece a nossa admiração – o que não ocorre em todos os casos.

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