De Brick Game à Tamagotchi – por trás dos presentes nos anos 90

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Poucos percebem, mas os Brick Games, também conhecidos como 9999 em 1, foram maiores e mais importantes do que muitos consoles mais falados. Mas você sabe porque isso aconteceu? Ou porque ele não é tão valorizado quanto deveria? Não há como falar da história dos minigames sem falar rapidamente da criação do principal jogo deles, pois foi ele quem na verdade começou tudo.

Criação do Tetris

A história se inicia muito longe das árvores de natal e das festas de aniversário do Brasil, mas sim no ano de 1984, na União Soviética. Lá nasceu um gênio da programação chamado Alexey Pajitnov que trabalhava no Centro de Computação de Moscou em um projeto muito especial que visava permitir que computadores pudessem reconhecer a fala das pessoas e convertê-la automaticamente em texto, o que hoje é plenamente comum em celulares, computadores e aparelhos como a Alexa da Amazon, por exemplo.

Contudo, naquela época era bem diferente. Ele trabalhava usando computadores gigantescos, do tamanho de uma sala, mas não por serem super máquinas, mas por serem velhas mesmo, como aqueles da década de 60 e 70. Isso acontecia pois o auge do programa espacial da USSR já havia passado a cerca de uma década e naquele momento os soviéticos já estavam próximos ao colapso da economia que terminou por extinguir o regime soviético. Por isso que para o gênio Pajitnov, que adorava inovações e computadores, aquele era um ambiente difícil, já que ele sabia da existência de outros computadores bem melhores, mas não podia tê-los para trabalhar. Até que finalmente recebeu um novo aparelho, um Electronika 60, que era “apenas” 9 anos ultrapassado. A missão de Pajitnov era programar algo para testar as possibilidades daquela máquina soviética. Ele então decidiu fazer um jogo.

Tetris nasceu de um quebra-cabeça chamado Pentaminó, que é como um dominó, mas cada peça é formada por 5 partes e possui formatos diferentes, tendo que ser encaixadas todas dentro de um retângulo, como uma caixinha. Um quebra cabeça simples, mas que Pajitnov adorada quando era criança, por isso inicialmente ele tentou adaptar a ideia para um jogo de disputa entre duas pessoas, mas não deu muito certo. Então ele percebeu que precisava facilitar tudo, não só para o jogo ficar divertido, mas porque o Electronika 60 era muito limitado mesmo. Por isso as peças foram refeitas, sendo compostas a partir de então por apenas 4 quadrados cada, e tendo menos peças diferentes. Por fim, para deixar o jogo mais divertido e infinito, ele deixou as peças surgindo aleatoriamente e teve a ideia de: a cada linha totalmente completada, ela sumia dando mais espaço para continuar jogando direto, dependendo, claro, da habilidade do jogador. Por fim, como agora eram apenas 4 partes nas peças, ele juntou a palavra Tetra, com o nome do esporte que ele mais gosta: o tênis, nascendo o Tetris.

A primeira versão de Tetris rodando no Electronika 60A primeira versão de Tetris rodando no Electronika 60Fonte:  BBC 

Como conta no documentário da BBC sobre sua vida, Pajitnov não pensava sobre lançamento de games ou os prazeres desse mercado. Ele mesmo fez cópias de seu game e distribuiu gratuitamente para toda  Moscou, pois apenas queria levar a diversão para mais pessoas. Depois teve ajuda de companheiros do Centro de Computação e finalmente conseguiu portar o Tetris para rodar nos computadores populares da IBM através do MS-DOS. A partir de então seu jogo ganhou o mundo, o que o deixou muito feliz. Porém, com isso, muitos queriam ganhar dinheiro com o Tetris, mas como falei, ele estava na União Soviética e por mais que tenha pensado, programado e criado todo o Tetris, o governo soviético entendia ser o dono do jogo e por isso passou a negociar com várias empresas a licença para publicar a obra de Pajitnov em diversas mídias diferentes.

O sucesso dos Minigames

Uma dessas empresas que conseguiram os direitos foi a Nintendo. Ela criou tendência com o Game & Watch, um projeto de portátil bastante simples e barato que se tornou grande influência no mercado, refletindo em vários jogos simples que chegaram no Brasil e no mundo feito por outras empresas, então com maior concorrência era preciso dar um passo a frente, mantendo a filosofia de ser jogável em qualquer lugar por qualquer pessoa, mas unindo o melhor do Game & Watch e do Nintendinho, que era o console da Nintendo na época, nascendo o Game Boy.

Entretanto, a Nintendo estava receosa sobre seu sucesso, por ser ainda um console muito simples e fraco, virando piada interna com o apelido de “Game Inútil”. Tetris surgiu como a salvação para o portátil, pois como revelado posteriormente pelo produtor Henk Rodgers, se o Game Boy fosse lançado com mais um jogo do Mario, ele seria visto como um console para crianças, assim como o Nintendinho já era visto, mas se o portátil fosse lançado com o Tetris na caixa, ele seria visto como algo para todos os públicos, o que convenhamos, era muito melhor para os negócios. Mas como tornar um game tão simples em algo tão marcante para as pessoas? É aqui que um dos maiores ícones dos games nasce.

Quase todo o bom jogo tem uma trilha sonora de certa forma marcante, e você com certeza conhece a música do Tetris. Só tem um problema: ela na verdade não é do Tetris.

Como revelado no site oficial de Tetris, assim como “Atirei o Pau no Gato”, “Ciranda Cirandinha” e outras cantigas estão para a cultura brasileira, esta é uma tradicional e muito famosa canção popular russa de 1861 chamada Korobeiniki, cujo um pequeno trecho foi usado também no Tetris de arcade não licenciado da Atari e em uma das versões de PC, mas que ficou mundialmente famosa graças a versão remixada pela lenda de trilhas de Pokémon, Earthbound, Mother, Metroid e outras, Hirokazu Tanaka, colocando-a em Tetris de Game Boy como Type A, mas não por ser russa como o jogo, mas porque ele gostava da canção quando ouvia ela em um computador da Apple, como revelou em entrevista a Red Bull Music Academy, ou seja, foi tudo pura coincidência.

Mas com isso a tática de convencimento das pessoas para adquirirem um Game Boy com um jogo bom, estava formada: o game é completamente viciante, a música gruda na cabeça te fazendo lembrar de Tetris na hora e o console pode ser levado facilmente para qualquer lugar. Perfeito! Quando o portátil da Nintendo finalmente foi lançado junto com Tetris, todas as tiragens do console esgotaram em questões de horas no Japão e não parou de vender, atingindo posteriormente incríveis 30 milhões de cópias do game em todo o mundo, segundo o Statista. Com o Game Boy, Tetris foi sucesso mundial, e com isso obviamente chamou a atenção dos pirateiros, e é aqui que começamos a chegar nos amados minigames.

Brick Game 9999 em 1

Muita gente pensa que os Brick Games nasceram na China, mas não é o caso, eles nasceram no próprio Japão. Uma empresa japonesa chamada Gametech era conhecida por fazer produtos alternativos aos das grandes marcas, como controles, cabos, fontes e demais periféricos para videogames, sempre agindo no limite do direito autoral, só que como não o infringia qualquer lei ou patente, conseguia vender produtos com valores bem mais baratos do que os originais, mas com qualidade bem inferior. São os chamados produtos paralelos ou genéricos.

Mini Tetlin feito pela GametechMini Tetlin feito pela GametechFonte:  Google 

A Gametech foi esperta e por volta dos anos 90 criou uma versão bem mais limitada do Game Boy, com tamanho menor, mais leve, com qualidade da tela similar ao Game & Watch e focado em ser um chaveiro, tudo para baratear a produção. Nesse pequeno console havia uma versão similar ao Tetris, mas com pouquíssimas diferenças, apenas o suficiente para não ter problemas legais. Com isso lançou no mercado com o nome de Mini Tetlin, podendo ser comprado em qualquer lugar por um valor irrisório, além de facilmente transportado, já que era um chaveiro.

A pequena máquina de diversão foi um sucesso incrível e iniciou o boom dos minigames no Japão junto com outro muito famoso que vou citar em breve. Por isso, pouco tempo após o lançamento e o sucesso, por volta de 1995 e 1996, novas versões do Tetrin e produtos similares foram lançadas por diversas empresas, com destaque para o Tetrin 55 que prometia ter 55 jogos diferentes para o jogador se divertir. Você já conhece essa história, não é? Só que como diferenciar cada jogo ali dentro? Era preciso um nome fácil para que o comprador entendesse o que a versão do Tetris que tanto gostava também estava ali. Então, embora não se tenha registro oficial sobre isso, o que muito provavelmente aconteceu foi a básico do marketing.

Pensa comigo: qual a forma mais genérica e simples possível, sem citar o nome patenteado, de descrever para qualquer pessoa aquele game que usava pequenas peças para construir paredes infinitas? Jogo da parede? Não. Jogo de construção? Não. Joga das peças? Quase.... O jogo dos tijolos! Sim! E como dar um ar mais forte para ele? Falando isso em inglês: nascendo e popularizando o nome Brick Game, que na verdade nem foi feito pela Gametech, mas sim por outras empresas que também faziam esse tipo de produtos paralelos no Japão. Competição existe até na pirataria. Mas como ele foi parar aqui no Brasil?

Um dos modelos mais básicos de Brick GameUm dos modelos mais básicos de Brick GameFonte:  Etsy 

Os jogos dos Brick Game e o segredo do sucesso

Naquela época na China, ainda era febre os mini jogos de mão a bateria que eram vendidos aos montes, mas que cada um tinha apenas um simples game diferente. Eles eram apenas versões barateadas do Game & Watch da Nintendo, e como fazer versões alternativas do Game Boy não era nem um pouco fácil ou viável, a chegada do Tetrin 55 foi perfeita, pois era só usar a mesma ideia dele, mas colocando-a em um corpo similar ao de um videogame portátil, como o famoso console da Nintendo. Pronto!

Começaram a nascer as primeiras versões dos Brick Games ali por 1995 e 1996, com o 2 em 1 e outros modelos. Só que mais do que conhecida por sua vasta gama de versões alternativas de games famosos e seu alto poder de barateio de produtos, a China deu um toque a mais no marketing dando aquele gigantesco exagero de sempre. O que eram 55 em 1, passou a ser por exemplo 96 em 1, 132 em 1, 999 em 1, 9999 em 1 e qualquer outro número aleatório que você pensar. Até marcas especializadas nisso surgiram, como a Apollo. Em minhas pesquisas achei artigos sobre o sucesso dos Brick Games 9999 em 1 em vários países como Coréia do Sul, Rússia, México, Estados Unidos e claro: no Brasil, onde eram vendidos aos montes em qualquer camelô e bazar por aí. Mas afinal, você sabe quais eram realmente os jogos que tinham nele?

Na verdade, cada modelo e fabricante chinês fazia como queria, então alguns tinham uns jogos e outros tinham outros, mas a verdade é que entre os 9999 jogos geralmente só existiam 4 ou 5 diferentes de verdade, os outros eram apenas modificações de dificuldade ou velocidade desses mesmos games. Eles na verdade eram versões de outros jogos extremamente importantes e muito antigos para computador, arcades e consoles, assim como o próprio Tetris. Um exemplo que era frequentemente encontrado era o Jogo da Cobrinha, que na verdade originalmente se chama Blockade e foi lançado em 1976 para computadores, ganhando posteriormente diversas versões “inspiradas” nele, se é que me entende, incluindo para Atari, Game Boy e outros. Não há como saber ao certo se teve influência ou não, mas após aparecer nesses aparelhos portáteis com muito sucesso, a Nokia colocou o jogo da cobrinha em seus celulares com o nome de Snake ou Serpente, dependendo da versão. Quem nunca viu um tijolão desses?

E aquele jogo de corrida que você tinha que ficar desviando dos carros? Na verdade ele é Road Fighter, feito pela Konami para arcades em 1984 e que também saiu para Nintendinho. Junto desses, Arkanoid completava os jogos do Tetrin 55. Mas, na busca por vendas, os vários fabricantes chineses tinham que dar algum diferencial para que os importadores ou muambeiros de todo o mundo comprassem com eles, e assim a corrida por mais ports não autorizados de jogos bons se iniciou, para aumentar ainda mais os 9999 em 1.

Por isso é possível encontrar Brick Games com outros jogos diferentes, principalmente versões de clássicos como Battle City, Frogger, Space Invaders, Breakout, Galaga e vários outros clássicos, dependendo da versão. O que tornava o Brick Game às vezes até melhor do que o Tetrin original japonês, uma espécie de Polystation que deu certo. Ou seja, o segredo do sucesso dos 999 em 1 era que mais do que barato e portátil, ele era basicamente um super console retro que reunia vários dos maiores e melhores sucessos dos games dos anos 70 e 80 em um portátil na palma da nossa então jovem mão. O problema é que essa máquina de diversão não agradava a todos.

Tetris era viciante, pois como visava ser infinito, fazia as pessoas, principalmente crianças, jogarem sem parar por horas e horas a fio, e isso afetava não só suas rotinas, como seus pensamentos, sonhos e até visão. Em 1996 foi documentado o Efeito Tetris, com pessoas que viam encaixes como os do jogo em coisas do cotidiano, como pilhas de caixas por exemplo. Outras sonhavam ou viam quando fechavam os olhos, peças de Tetris caindo ou do que passou o dia jogando ou assistindo. Esse efeito ganhou esse nome na época exatamente pelo vício que era o Tetris e até hoje, mas o que o fez começar a perder força foi outra criação do Japão.

A febre dos bichinhos virtuais

No finalzinho de 1996 uma nova febre começou por lá. Um homem chamado Akihiro Yokoi viu em um comercial uma criancinha triste por não poder ter um animalzinho de estimação, então ele pensou em uma forma de se ter um pet para cuidar e levar para qualquer lugar, nascendo de um ovo e funcionando em um relógio de pulso. Por isso juntou a palavra “tamago”, que é ovo em japonês, com a forma adaptada pelos japoneses de falar a palavra relógio em inglês, que é “uotchi”, nascendo os Tamagotchi, popularmente conhecidos como bichinhos virtuais. Você lembra deles?

A ideia foi vendida para a Bandai, que adaptou o relógio para um chaveiro para baratear custos, e assim o novo rei da era dos mini games eletrônicos chegou substituindo o Tetrin nas mochilas dos jovens japoneses. Os Tamagochi viraram uma febre absurda por lá, com longas filas para comprar. O conceito era básico: dependendo de como você cuidava do seu bichinho virtual em cada fase dele, ele poderia virar algum outro monstrinho bom ou ruim, envelhecendo no processo. E com um sucesso desses, o resto do mundo também foi impactado, pois o maior mercado produtor e exportador desse tipo de produto começou a mudar de foco. Aconteceu exatamente o mesmo movimento que houve do Game Boy em relação aos Brick Games.

Enquanto a Bandai mal conseguia ter estoque no Japão devido a demanda, por volta de 1997 uma empresa chinesa conseguiu através de engenharia reversa fazer uma cópia quase que idêntica aos Tamagotchi, nascendo o RakuRaku DinoKun, que imediatamente passou a ser distribuído pelo mundo muito mais rapidamente que o produto original e com um preço muito mais baixo que o dele. Era muito raro você achar um Tamagotchi original japonês, mas muito fácil achar a popular versão chinesa. Inclusive ela acabou sendo proibida em diversas escolas do Brasil nos anos 90, devido a exigência de cuidados dos bichinhos durante o dia todo, o que interrompia as aulas, atrapalhava a concentração e os estudos, pois um Tamagotchi da primeira geração poderia morrer em apenas poucas horas se não tivesse os cuidados exigidos.

RakuRaku Dinokun vendido em camelôs e bazares nos anos 90.RakuRaku Dinokun vendido em camelôs e bazares nos anos 90.Fonte:  Clasf 

Digital Monsters

A Bandai precisava pensar em novas versões para melhorar o brinquedo, alcançando mais público e obviamente superando a pirataria dos chineses que abastecia a maior parte do mundo, mesmo que provavelmente os pirateiros da China copiassem as novas ideias logo em seguida. Então algumas tentativas depois a resposta definitiva da Bandai para alcançar o topo de popularidade mundial chegou, mas o que aconteceu foi bem diferente do esperado e, na verdade, muito melhor.

Originalmente os bichinhos virtuais foram feitos para meninas, embora tenham sido bem recebidos por todos os públicos, mas e se fizessem uma versão focada para meninos? Como ela seria? Provavelmente inspirados em animes shounen e em Pokémon, a leva de brinquedos novos dava a possibilidade dos monstrinhos lutarem entre si e ganhou o nome de Digital Monster, em que, dependendo de como você cuidava do seu bichinho, ele poderia evoluir para algo diferente para as batalhas. O sucesso da resposta da Bandai foi tão grande que assinaram um contrato para transformá-la em anime, nascendo a franquia Digimon, que se tornou uma nova febre na TV brasileira e mundial, competindo diretamente com Pokémon e se estendendo para os videogames em vários consoles diferentes.

Tetris também continuou em destaque, com jogos sendo lançados até hoje e um cenário competitivo bastante forte mundialmente. Já os Brick Games, assim como os RakuRaku DinoKun, estão disponíveis à venda até hoje, devido a seu alto grau de nostalgia e sua quantidade quase infinita de horas de diversão, reunindo diversos grandes clássicos e deixando viva a nostalgia de um tempo sem preocupações, onde éramos apenas jovens com pouco dinheiro no bolso, mas cheios de vontade de nos divertir, e os Brick Games nos davam 9999 possibilidades em 1 para alcançar isso. Bons tempos.

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