Hideo Kojima vs Neil Druckmann: a fina linha entre cinema e games

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Imagem: Reprodução / Thomas Schulze

"Nós não usamos a palavra 'diversão'", disse Neil Druckmann, atual presidente da Naughty Dog e diretor da franquia The Last of Us, ao ser indagado sobre o processo criativo da empresa pelo site Buzzfeed. Na jornada para criar alguns dos jogos mais aclamados e premiados da indústria, ele e seu time explicitamente passaram a enxergar as suas obras como algo bastante sério.

Concorde ou discorde de sua visão sisuda, o fato é que historicamente a arte costuma avaliada com mais atenção justamente quando finca os seus pézinhos no drama. Filmes, séries, livros e jogos com contorno dramático tendem a ser mais premiados do que comédias ou uma boa dose de diversão pipoca mais descompromissada, quase como se o drama denso fosse, de alguma forma, sinônimo de arte mais elevada.

Não obstante, há décadas os videogames buscam inspiração na linguagem cinematográfica em maior ou menor grau, nos mais variados gêneros e com resultados distintos. Se hoje os "jogos-filme" (como costuma-se chamar de forma pejorativa os títulos de ação em terceira pessoa lançados principalmente pela PlayStation Studios) dominam os holofotes, não faltam precedentes de produções que tentaram explicitamente sugar a credibilidade da sétima arte de alguma forma.

Décadas de inspiração

Podemos voltar, por exemplo, para os tempos do SEGA CD, quando o que mais tínhamos por aí eram lançamentos com gameplay mínimo, colocando o jogador para testemunhar os eventos em FMV interagindo com eles apenas por meio de quick time events. Ainda antes, lá na geração 8 bits, Ninja Gaiden, com suas pioneiras cutscenes, levava o hardware do nintendinho até o limite e estabelecia novos padrões de excelência e empolgação para a narrativa — ainda que o seu foco majoritário continuasse no gameplay extremamente desafiador e divertido da época.

Ou seja, sempre foi possível utilizar elementos do cinema para ajudar o seu jogo a ficar ainda mais (ou menos!) interessante e poucos criadores notaram isso tão cedo e tão bem quanto Hideo Kojima. Cinéfilo assumido, o pai da franquia Metal Gear Solid sempre se divertiu bastante inserindo em suas obras toneladas de homenagens e referências aos filmes que moldaram o seu caráter e visão do mundo.

Não por acaso, em uma mídia onde a obra final é fruto de um gigantesco esforço colaborativo — com dezenas ou centenas de programadores, artistas, compositores, produtores e muito mais envolvidos na cadeia de produção —, Kojima se consagrou como um dos poucos diretores com "assinatura" dos videogames. Você sabe, aqueles criadores que você consegue detectar a autoria mesmo que não tenha lido os créditos graças a sua forte identidade pessoal e como ela é extravasada na obra. Tipo ver um filme do Spielberg e sacar na hora o seu toque pessoal!

Há incontáveis formas de contar uma história nos videogames, seja maximizando o gameplay, como Shigeru Miyamoto e os talentosos times da Nintendo fizeram por décadas nos fantásticos jogos de Super Mario Bros., ou mesmo capitalizando bastante na experiência passiva de assistir a um filme em busca de pistas, como o também ótimo Sam Barlow fez magistralmente no recente Immortality e, anteriormente, em Telling Lies e Her Story.

Duas escolas, dois focos, duas visões

No que diz respeito ao mainstream e a jogos de prestígio crítico, quando o assunto são videogames cinematográficos com grande orçamento e alarde, tenho a impressão de que tanto os jogadores como a mídia especializada costumam associar os títulos mais próximos do cinema a nomes como Neil Druckmann e Hideo Kojima. E acredito que a abordagem dos dois não poderia ser mais díspar. Afinal, como falei em um shorts no meu canal Aquele Cara,

"Neil Druckmann enxerga os videogames apenas como uma plataforma para se aproximar do cinema, enquanto Hideo Kojima enxerga o cinema como uma ferramenta para aprimorar os seus videogames"

Ao fazer um jogo, Hideo Kojima não hesita em colocar lá, sempre a serviço do gameplay, não apenas as suas inspirações cinematográficas, mas também os seus valores e ideais políticos, os seus fetiches e peculiaridades, gosto musical, e até mesmo o seu senso de humor tão característico. Tudo serve para dar forma ao mundo que iremos explorar em Metal Gear Solid, Policenauts, Snatcher, etc.

Se você retirasse o gameplay de qualquer uma dessas obras, talvez ainda restasse o esqueleto de uma boa história em potencial, mas a interação ativa do jogador sempre exerce um papel-chave para a compreensão, apreciação e potencialização dos temas, como, por exemplo, nas longas e contemplativas caminhadas do maravilhoso Death Stranding.

Ainda que alguns leitores possam argumentar que acham o jogo lento demais, o tempo inteiro da campanha eu fiquei imerso tanto no planejamento de cargas e rotas como na narrativa repleto de rostos conhecidos do cinema, que estão lá a fim de fazer com que você se importe ainda mais com a história que o Kojima quer contar. Aqui falo mais sobre o que o gameplay me fez sentir:

A recente estreia da série de The Last of Us na HBO me botou um pouco para pensar nisso tudo. Foi estranho ver uma adaptação quase ipsis litteris do jogo sendo exibida diante de meus olhos, com cutscenes rolando no mesmo enquadramento e figurinos semelhantes. Salvo a adição de algumas cenas, contexto e lore adicional, a experiência foi extremamente parecida com a de jogar!

E eu acredito que isso acontece justamente pelo quão mínimo e insignificante o gameplay de The Last of Us sempre foi. Veja bem, eu não estou falando que ele é ruim, pelo contrário: os controles de stealth e combate funcionam bem o bastante nos relativamente raros trechos em que você controla a aventura de forma mais ativa. Mas vamos combinar que o grosso da experiência, e o que a maioria dos fãs mais valoriza e relembra, sempre foi a história e seus personagens.

E isso acontece justamente porque o foco do Druckmann nunca esteve na diversão. Para o bem ou para o mal, a sua cabeça está focada apenas em contar uma boa e séria história. Uma história que certamente nunca precisou estar nos videogames para ser contada. E, ao menos para mim, uma história menos atraente que um mergulho nas idiossincrasias do Kojima, alguém que sabe usar os jogos para contar histórias que só funcionariam naquela mídia.

Entre essas duas escolas, eu certamente me alinho mais com a do Kojima. E você? Conte para a gente nas redes sociais do Voxel!

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