NieR Replicant ver.122474487139: um atestado da grandeza dos games

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Imagem: Square Enix

Existe uma forma certa de avaliar NieR Replicant ver.122474487139? Como você analisa uma obra tão autoral? A melhor rota é dissecar as suas mecânicas com o máximo de objetividade possível? Compará-la com outros jogos modernos de ação e RPG? Quem sabe focar nos aprimoramentos gráficos do remake? É mais sábio punir os seus eventuais tropeços técnicos ou enaltecer a sua história tão única? Como ser justo com uma criação dessas?

Há tantos caminhos, interpretações e diferentes conclusões possíveis para essa obra que uma review tradicional provavelmente não daria conta do recado. Justamente por isso, se você já tem um mínimo de interesse na franquia, recomendamos parar de ler imediatamente e ir jogá-la para tirar as suas conclusões. Mas, se quiser saber mais sobre os prós e os contras do game e se aprofundar nos seus sistemas, na sua história e no seu legado, confira a nossa review completa a seguir!

O legado de Nier [A]utomata

A cronologia da obra de Yoko Taro é tão rica que precisaria de um texto à parte para ser destrinchada, mas o mínimo que você precisa saber antes de jogar o remake é que as versões originais de Nier foram lançadas em 2010 para PlayStation 3 e Xbox 360. “Versões”, no plural mesmo, já que o Ocidente e o Japão ganharam edições distintas do game chamadas Gestalt e Replicant, respectivamente.

Replicant, a versão japonesa, foi a que serviu de base para esse novo remake que estamos analisando e mostra a jornada de um jovem herói chamado Nier (ou qualquer nome que você quiser dar a ele) para salvar a sua irmãzinha, Yonah, vítima de uma doença misteriosa aparentemente incurável. Para ajudar o projeto a ter mais apelo por aqui, a versão das Américas o substituiu por um aventureiro bem mais velho, um coroa ao melhor estilo Geralt de Rivia, e Yonah foi reimaginada como a sua filha.

A versão mais velha do herói foi o avatar da série no ocidenteA versão mais velha do herói foi o avatar da série no Ocidente.Fonte:  Nier Fandom 

Dono de um ritmo único e flertando constantemente com diferentes gêneros ao longo de sua campanha com múltiplos finais, o projeto do estúdio Cavia dividiu um pouco a crítica, mas se tornou uma obra cultuada por poucos (mas leais) fãs ao redor de todo o mundo. Melhor sorte teve Nier Automata, a sua sequência lançada em 2017 que conseguiu vender mais de 5 milhões de cópias e concorreu a diversos prêmios de Game of the Year!

Entre 2010 e hoje, muita coisa mudou no mercado de video games, e o próprio resultado positivo obtido com Automata ajudou a Square Enix a notar que já não era mais preciso “ocidentalizar” o design de seus jogos para alcançar o sucesso. Assim, NieR Replicant ver.122474487139 chega ao PlayStation 4 e Xbox One com todas as idiossincrasias e peculiaridades de seus idealizadores, mais um monte de novidades para os fãs de velha data!

Um [B]om ponto de partida

Os novatos podem ficar tranquilos, já que não é preciso ter jogado qualquer outro jogo do Yoko Taro para curtir essa nova experiência, embora ela obviamente seja enriquecida caso você tenha a oportunidade de fazer isso. Mas, se essa é a sua primeira vez, NieR Replicant ver.122474487139 é uma porta de entrada tão boa quanto qualquer outra.

Mesmo marinheiros de primeira viagem conseguirão entender a sua complexa teia narrativa e personagens atormentados se prestarem a dose adequada de atenção ao longo das quase 15 horas da campanha principal, podendo chegar a 40 horas caso você invista em fazer todos os finais. Aliás, seguir jogando depois dos créditos “finais” é algo extremamente recomendado na franquia, já que só assim você terá acesso à narrativa completa.

Nier nasceu de um dos finais de Drakengard, já sinalizando a importância de ver todos os finais dos jogosNier nasceu de um dos finais de Drakengard, já sinalizando a importância de ver todos os finais de jogos.Fonte:  Drakengard fandom 

O que você pode não saber ainda, já que o jogo não trata explicitamente desse tema, é que Nier é uma série derivada de Drakengard (2003), o jogo de estreia de Yoko Taro na cadeira de diretor. Ele, por sua vez, é precedido pelos eventos de Drakengard 3 (2013), no qual conhecemos Zero, a protagonista que faz parte de um grupo capaz de controlar mágicas por meio da música.

Fim e re[C]riação

Em Drakengard 3, Zero descobre que uma flor capaz de destruir a humanidade é a fonte de seus poderes, então ela parte em uma jornada para matar todas as outras intoner (nome dado às pessoas como ela). No fim do jogo, ela aparenta ter êxito na missão, mas uma das intoner consegue passar os poderes adiante no decorrer das gerações. Os seus herdeiros foram então rebatizados como o culto The Watchers.

Já no primeiro Drakengard, o novo herói, Caim, precisa derrotar os Watchers para impedir o grupo de obter as sementes da destruição, já que elas podem criar um portal e invocar uma criatura apocalíptica de outra dimensão. Já aqui temos múltiplos finais e, em um deles, Caim atravessa o portal e vai parar no Japão de 2003, onde acaba sendo morto. Isso espalha a sua magia pela Terra, gerando uma doença mortal para os demais sobreviventes e aniquilando boa parte da humanidade no processo.

De novo, você não precisa saber de nada disso para começar a jogar NieR Replicant, mas é bom ter ciência de que a sua origem remonta a essa história, que é apenas um dos finais alternativos de Drakengard. Tudo isso é quase como uma grande trollada de Yoko Taro, que pegou esse gancho e o usou de chamado à aventura para o herói de NieR Replicant.

Afinal, a jovem Yonah sofre exatamente com essa doença vista no fim de Drakengard, o que já serve para evidenciar o quanto é importante, em todos os jogos do diretor, debruçar-se sobre os diferentes finais a fim de ter conferir a narrativa geral. Em outras palavras, se você for jogar NieR Replicant ver.122474487139, não se contente em apenas fazer uma rota e deixar a história pela metade, ou perderá um de seus principais atrativos!

Inclusive esse universo e seus eventos também geram consequências para Nier Automata, que se passa milhares de anos no futuro. Então, comece a jogar a franquia por onde quiser, mas, independente do seu ponto de partida, tente mergulhar fundo na narrativa para curtir a jornada ao máximo!

Gerações nem tão [D]istantes

A franquia Nier é repleta de estranhezas tanto em seu texto como em suas mecânicas, mas a própria produtora Square Enix também acabou tomando uma decisão bizarra: há mais de 6 meses, tivemos o lançamento da nova geração de consoles com a chegada do PlayStation 5 e do Xbox Series X|S ao mercado, mas a desenvolvedora Toylogic acabou trabalhando apenas em versões para os antigos consoles.

Com isso, só há uma geração de diferença entre o jogo original e o seu remake recém-lançado, o que naturalmente limita bastante o quanto as coisas puderam ser aprimoradas em termos de hardware e performance. Não se engane, a taxa de quadros por segundo consegue se manter estável na maior parte do tempo nessa releitura — ao menos quando a sua tela não estiver lotada de inimigos —, e os modelos de personagens e cenários estão consideravelmente mais bonitos!

A linda Kainé, por exemplo, ficou ainda mais cativante em sua releitura na ver.122474487139, e nosso herói, Nier, também ganhou feições mais adequadas à sua visão original, parecendo ainda mais com um jovem saído diretamente de um livro de contos de fadas. A despeito da excelente direção de arte, e falando apenas em termos técnicos, a apresentação geral do jogo é bem abaixo do que vemos nos títulos mais modernos, inclusive em projetos crossgen.

A nova versão de Kaine é um modelo de personagem muito melhor esculpido e detalhado, mas o resto do visual não foi tão melhorado assimA nova versão de Kaine é um modelo de personagem muito mais bem esculpido e detalhado, mas o resto do visual não foi tão melhorado assim.Fonte:  Square Enix 

Provavelmente, a ideia aqui era capitalizar em cima da maior base instalada das velhas máquinas, mas como estamos falando de um remake de um jogo nem tão antigo assim, é difícil deixar de imaginar como ele ficaria com texturas ainda mais polidas em seus vários cenários nos sistemas mais potentes. Aliás, esse não é o único ponto negativo de revisitar um título de 2010.

Algumas id[E]ias datadas

Ainda que o visual do jogo tenha sido modernizado na medida do possível, é bom ter em mente que praticamente todas as suas mecânicas ainda se remetem diretamente a um jogo saído diretamente de 2010, com tudo de bom e ruim que isso pode apresentar.

Sem dúvidas as primeiras horas de campanha são as que mais evidenciam os pontos negativos do jogo, já que o início da história é repleto de missões que consistem em viajar entre uma e outra área bem próxima, encarando loadings moderados, mas terrivelmente frequentes, a cada transição de tela. Você provavelmente vai ficar enjoado de tanto ler os diários da Yonah e de ver as pequenas animações de carregamento no canto da tela já na primeira hora de gameplay.

Depois de um prólogo breve e interessante, um salto temporal nos leva até a trama principal e a um “tutorial” bastante linear e longo, colocando o nosso herói a serviço da mulher mais sábia da cidade, Popola, em missões que vão desde abater carneiros para colher a sua carne até visitar o mercado local para apanhar itens específicos. Infelizmente, nenhuma dessas tarefas é particularmente instigante.

Navegação [F]rustrante

Se o mapa de Nier Automata é um de seus pontos mais criticados, em Nier Replicant o problema é ainda mais severo. Ocasionalmente, algumas missões são marcadas com exatidão e apontam claramente para onde o jogador deve ir, mas outras tantas vezes as informações são confusas, e você pode acabar andando à toa até esbarrar com a solução ao acaso, então é preciso ter um pouco de paciência durante as partidas.

Talvez o problema dos loadings fosse atenuado com a velocidade do SSD dos novos consoles, mas mesmo isso não resolveria o design confuso das primeiras horas da campanha. Jogadores vindos diretamente de Nier Automata sofrerão ainda mais com esse design focado em um início deliberadamente lento, já que a saga futurista dos andróides começa a 500 km/h, enquanto o mundo de fantasia de Nier Replicant é apresentado em um vilarejo muito bucólico.

À primeira vista, Nier Replicant é um JRPG como tantos outros de seu tempo. Bem no centro da vila, você encontra a casa do protagonista e de sua irmãzinha doente, e um pouco mais ao sul fica o comércio local, com diversas lojinhas vendendo desde itens de cura e ingredientes até novos equipamentos e melhorias para o seu inventário.

Popola é a principal responsável por enviar nosso herói em missões ao longo do jogoPopola é a principal responsável por enviar nosso herói em missões ao longo do jogo.Fonte:  Square Enix 

Tanto no centro comercial como em seus arredores, é possível ver e interagir com NPCs mais do que dispostos a jogar conversa fora e divagar sobre as alegrias e as aflições de sua rotina, que sempre acontece entre os portões principais que protegem a cidade dos perigos do exterior.

Mais ao norte, fica a grande biblioteca local, onde o gamer frequentemente terá encontros com a solícita Popola, a "sabe-tudo" que tem sempre um pedido ou missão para passar. Já a sua irmã gêmea, Devola, parece mais preocupada em tocar seu alaúde na praça central ou dentro das lojas sempre que possível, o que até acaba trazendo mais alegria ao jogador, dado que é maravilhosa a forma como a sua voz se mescla à trilha sonora incidental organicamente quando você passa perto o bastante dela.

Maravilhas da metalin[G]uagem

Quanto mais missões você cumpre para Popola, mais o mapa de Nier Replicant vai se abrindo aos poucos, com os diferentes portões revelando novas locações, desafios e propostas de jogo, o que acaba funcionando muito bem como recompensa após as lentas horas iniciais.

É como se os designers do jogo, usando Popola como avatar, fossem “afrouxando a sua coleira” devagarinho, permitindo que você descubra um pouco mais sobre o mundo a cada missão cumprida. Assim, tanto o protagonista como o jogador vão paulatinamente mergulhando juntos mais fundo no mundo do game de forma autoconsciente.

Esse é um bom truque metalinguístico de Nier Replicant, uma sacada que será repetida várias vezes nas horas seguintes, só que com muito mais profundidade e de forma infinitamente instigante. É então que a diversão e a magia começam para valer (logo mais entraremos nesse assunto aqui na review).

O gameplay de Nier Replicant tem bastante ação, mas não é tão constantemente frenético como o de Nier AutomataO gameplay de Nier Replicant tem bastante ação, mas não é tão constantemente frenético como o de Nier Automata.Fonte:  Square Enix 

Antes, é melhor falar um pouco dos controles. Afinal, quando o jogador não está na cidade lidando com os seus fazeres, passa a explorar os grandes campos abertos que conectam o mundo a novas áreas fechadas, dungeons ou cidades, e nesse caminho já é possível sentir um gostinho dos combates.

[H]ack and slash de primeira

A base dos controles é um "hack and slash" bem parecido com o que você já deve ter visto em Nier Automata, com uma mistura de combates corpo a corpo, leves mecânicas de projéteis e seu ocasional temperinho de bullet hell ao melhor estilo Ikaruga. No remake, uma trava de mira foi adicionada para melhor controle de câmera, e isso ajuda bastante!

Logo em uma de suas primeiras aventuras, além da área inicial, o gamer encontrará e passará a ser acompanhado pelo Grimoire Weiss, cujo funcionamento é bem parecido com o Pod visto no jogo seguinte. Ele fica sempre voando ao redor do herói e serve principalmente para disparar tiros e magias a longa distância, mas ele também tem algumas funções que podem ser acessadas no menu de pausa.

Ao abrir o grimório, o jogador pode customizar as suas armas e equipá-las com diferentes “palavras”. Elas, por sua vez, são obtidas ao derrotar inimigos em combate e servem para garantir alguns buffs passivos, como aumentar a porcentagem de dano causado por ataques físicos e mágicos. Se o gamer estiver com preguiça de mexer nesse sistema, é sempre possível otimizar o uso das palavras instantaneamente com um simples "apertar de botão".

Às vezes a tela fica lotada de balas como em um genuíno bullet hellÀs vezes, a tela fica lotada de balas como em um genuíno bullet hell.Fonte:  Square Enix 

As comparações com Nier Automata são necessárias nem tanto por ele ser o jogo mais popular da série até agora, mas porque a câmera, os ângulos e a movimentação dos personagens foram todos intencionalmente retrabalhados a fim de criar uma experiência mais familiar e parecida com a de seu sucessor, o que acaba sendo um dos elementos mais interessantes desse remake, pois isso ajuda a dar maior coesão à franquia como um todo.

Gênero flu[I]do

Para quem gosta de obras cuja história só poderia ser desenvolvida na forma de video game, e mais nenhuma outra mídia, o lugar certo é a franquia Nier, pois ela consegue fundir e mesclar diferentes gêneros a fim de movimentar a sua narrativa.

É claro que isso exige um amplo domínio da natureza do gameplay e da linguagem audiovisual verdadeiramente única que essa mídia permite, então ainda bem que esse é um dos maiores talentos do diretor criativo Yoko Taro! Aliás, se você não quiser estragar algumas das melhores surpresas do jogo, recomendo pular diretamente para o subtítulo [L] deste texto a fim de escapar dos spoilers. Portanto, considere-se avisado!

Então, dito isso e tentando ao máximo não estragar a sua surpresa, é incrível como NieR Replicant ver.122474487139 consegue fazer coisas diferentes de qualquer outro jogo, de forma que, à primeira vista, parecem totalmente malucas e inusitadas, mas que logo se encaixam e revelam o seu propósito maior.

[J]ornada inter-mídia

Um dos momentos mais marcantes acontece pouco antes da metade da primeira rota do jogo, quando você recebe uma carta misteriosa vinda da área ainda inexplorada da Forest of Myth. O seu prefeito não consegue sequer escrever uma mensagem coesa e acaba falando bastante sobre “sonhos, sonhos e sonhos”, o que exige uma investigação para ver se está tudo bem com ele.

Há muitas locações diferentes para explorar, e todas elas escondem emoções e histórias de tirar o fôlegoHá muitas locações diferentes para explorar, e todas elas escondem emoções e histórias de tirar o fôlego.Fonte:  Square Enix 

Chegando na área, logo se nota que os habitantes locais estão todos parados em uma espécie de transe, e lentamente as mecânicas do jogo começam a refletir isso. Se todos os diálogos até então eram dublados, subitamente as suas palavras vão se transformando em silêncio. Na barra inferior de texto, um narrador onisciente começa a descrever as reações dos personagens de Nier como se estivéssemos lendo um livro!

Quando o jogador se dá conta, de repente já se passaram alguns minutos no mundo real, e a tela de jogo acabou virando uma novel interativa na qual o pouco que se pode fazer é escolher raramente entre uma ou outra opção de texto para responder a perguntas ou apontar um caminho aos personagens. É algo deliciosamente engenhoso e que acontece de forma muito fluída!

Há vários outros trechos do jogo nos quais ele muda organicamente de identidade e gênero: ao explorar uma grande mansão misteriosa, acabamos procurando por chaves para abrir portas em um mapa bem parecido com Resident Evil. Mais adiante, ao explorar um laboratório subterrâneo, o jogo abraça uma perspectiva isométrica e a aventura quase vira um dungeon crawler na escola de Diablo.

Va[L]orizando os games como arte

Há ainda segmentos com puzzles na linha de The Legend of Zelda (que chega a ser citado explicitamente em uma piadinha visual e sonora bem divertida), outras partes em que seus controles são deliberadamente limitados para ajudar a fortalecer uma mensagem sobre a importância das regras.

Toda a história de Nier Replicant é formada por segmentos que só poderiam se tornar realidade nos video games e em absolutamente nenhuma outra mídia. Isso, por si só, já torna o jogo excelente e algo que merece ser experimentado por todos aqueles interessados em estudar e admirar a evolução da linguagem nessa mídia.

Há sempre algo imprevisível esperando na sua próxima aventuraHá sempre algo imprevisível esperando a sua próxima aventura.Fonte:  Square Enix 

Se hoje o mercado já parece saturado por jogos com pretensões quase hollywoodianas, donos de um gameplay muito passivo e narrativas lineares repletas de clichês do cinema (o que costuma cair nas graças da mídia ocidental e até receber frequentemente prêmios de jogo do ano), NieR Replicant ver.122474487139 vai na contramão dessas tendências e nos relembra que nada é mais importante ou especial que o gameplay.

Afinal, o que torna os video games uma mídia repleta de potencial é justamente o engajamento ativo dos jogadores em suas mecânicas. E quando você consegue usar isso para fazer provocações, instigar o pensamento, motivar diferentes interpretações e até mesmo refletir sobre a evolução da forma de contar uma história por meio do apertar de botões, é um sinal de que conseguiu criar uma obra verdadeiramente especial!

[M]úsica para os meus ouvidos

Por mais acertos e atrativos que a franquia Nier ostente, poucos elementos alcançam um consenso tão notável de aclamação quanto a trilha sonora magistral composta por Keeichi Okabe, também responsável por ótimos trabalhos nas franquias Tekken e Ridge Racer, além de dezenas de outros jogos ao longo de seu invejável currículo.

Como não poderia deixar de ser, a ver.122474487139 resgata todos os temas musicais incríveis presentes no jogo original, mas o compositor e a sua equipe da MONACA regravaram bastante material, com direito a faixas expandidas e material inédito. Como se a gente ainda precisasse de mais motivos para chorar ao ouvir canções lindas como "Ashes of Dreams".

Se possível, jogue em japo[N]ês

O cuidado sonoro foi muito além das músicas, e as falas dos personagens também foram regravadas em maior qualidade sonora, já que o jogo de 2010 não era exatamente primoroso nesse departamento, especialmente quando lembramos da sua versão em inglês.

A má notícia para os que seguirem longe do idioma original, o que não é recomendado de forma alguma, é que nem a presença de dubladores consagrados, como a premiada atriz Laura Bailey, impedem a sua performance de errar no tom e entregar falas sem o impacto desejado.

Eu gosto bastante do trabalho dela em outros títulos, até mesmo em jogos com pegada mais otaku, como a sua ótima interpretação de Catherine no jogo homônimo, mas até o seu antigo trabalho de 2010, quando ela dublou a Kainé pela primeira vez, parecia entender melhor as emoções viscerais da personagem. Uma pena.

Se possível, altere o idioma no menu de opções para apreciar o áudio no original em japonês, já que as suas vozes nipônicas são absolutamente incríveis e ajudam a dar muito mais emoção ao mundo de Nier.

Também é muito legal notar que um monte de diálogos que anteriormente só existiam como texto foram dublados. Praticamente todas as falas do jogo agora contam com vozes, o que é mais um aprimoramento substancial em relação ao antigo jogo.

Que Grim[O]rio bonitinho!

Você diria não para este livro?!

Então você quer [P]roblematizar?

Não foram só os video games que mudaram desde 2010. A sociedade como um todo segue atualizando os seus valores e códigos morais, e o mundo mais globalizado do que nunca ajuda diferentes vozes e opiniões a ganhar tração pelas redes. Independente de você achar isso algo positivo ou negativo, é um fato que todas as obras de arte estão mais abertas do que nunca ao escrutínio público.

Ao longo da última década, um dos assuntos mais discutidos e problematizados nos video games, ao menos aqui no Ocidente, foi o empoderamento feminino e a sexualização exacerbada de suas personagens, além da cobrança de uma representação mais digna para as minorias — e esse pode ser um assunto espinhoso no mundo de Nier.

Mas [Q]ual é o problema?

É pertinente frisar que, caso esse seja um assunto sensível para você, talvez seja uma ideia melhor passar longe dos jogos do Yoko Taro, já que o autor não tem o menor pudor na hora de dar vida às suas waifus. Pelo contrário, ele investe ativamente o tempo e o dinheiro da equipe a fim de modelar os corpos femininos da forma mais atraente possível.

Então, se você faz parte da corrente que se incomoda profundamente com isso, talvez seja melhor nem começar a jogar. Entre reivindicações justas e as cobranças alucinadas, tanto setores conservadores como progressistas costumam repudiar a nudez nos video games, e o diretor não está nem um pouco disposto a se curvar às demandas desses grupos.

Se essas roupas já te ofendem na arte, é melhor nem encostar no jogoSe essas roupas já te ofendem na arte, é melhor nem encostar no jogo.Fonte:  Square Enix 

Em um leve spoiler do cânone, a própria Kainé, além de passar a aventura toda seminua, é intersexual, e uma das conquistas do jogo envolve manipular a câmera a fim de dar uma verificada em suas partes íntimas. Novamente fica o alerta para os leitores que podem considerar isso uma piada de gosto duvidoso.

Rotas, rotas, [R]otas e mais rotas

Apesar de a história de Nier Replicant se desenrolar de forma relativamente linear, como já expliquei anteriormente, há vários finais diferentes para descobrir. Assim, não só o caminho até eles é instigante, como é possível se distrair com algumas missões paralelas no trajeto.

Algumas delas são essenciais para desbloquear tudo que o jogo tem a oferecer, enquanto outras estão lá apenas para te distrair e divertir. Há missões de caça que, em troca, permitem ao herói montar nos javalis selvagens do mapa e até mesmo o clássico absoluto dos JRPG, o sempre essencial minigame de pescaria.

Atender aos pedidos dos NPC também pode acabar liberando, além de dinheiro, novas armas exclusivas, o que acaba impactando diretamente o sistema de finais, já que uma das rotas só é liberada caso você consiga coletar todas as 33 armas do jogo. Não tenha vergonha de apelar para o Google e para guias de colecionáveis, já que algumas delas estão muito bem escondidas.

De[S]dobramentos e integração plena de sistemas

A coleta de armas é apenas um dos exemplos mais claros de como tudo que o jogador faz ou deixa de fazer acaba refletindo na obtenção ou não de um final extra. Revisitar o jogo depois de terminá-lo pela primeira vez permite contemplar a história por novas perspectivas e ganhar muita informação nova sobre os personagens, que ganham bastante tempo de tela extra.

É aconselhável pesquisar um guia externo depois de terminar a Rota A para ver todo o resto da tramaÉ aconselhável pesquisar um guia externo depois de terminar a Rota A para ver todo o resto da trama.Fonte:  Square Enix 

Uma boa dica aqui é tirar proveito dos três slots de gravação a fim de criar pontos de retorno convenientes, especialmente quando é preciso tomar algumas escolhas na narrativa bifurcada. No entanto, o mais legal aqui, que certamente os fãs veteranos devem ver com os próprios olhos, foi a adição de uma nova batalha com chefão e uma área exclusiva do remake que foi naturalmente integrada à reta final da Rota A, além de um final extra totalmente inédito!

Ele não é apenas uma trolladinha ou easter egg, mas sim a inclusão de horas de material inédito com implicações sérias que farão qualquer entusiasta da obra se emocionar. O surpreendente final [E], inclusive, pode ser um motivador muito maior para revisitar o jogo todo do que as várias melhorias e mudanças que citei ao longo do texto!

Yoko [T]aro, obrigado!

Até aqui, foram pouco mais de 4,5 mil palavras de texto apenas debatendo o jogo, mas estamos cientes de que mesmo elas sequer chegam perto de arranhar a superfície dessa linda obra de arte. Ou talvez estamos pensando demais?

Yoko Taro é tão famoso por suas trolladas como por sua genialidadeYoko Taro é tão famoso por suas trolladas quanto por sua genialidade.Fonte:  The Guardian 

Afinal, o próprio Taro já disse que a tal ver.122474487139 é só uma sequência aleatória de números, e que ele não queria chamar o seu jogo de Remake apenas para não fazer feio quando comparado ao trabalho da Square Enix em Final Fantasy VII. Então, é bem possível que fomos feitos de bobos enquanto escrevíamos esta análise. Humm…

Uma [Ú]ltima mensagem...

Video games não são apenas uma soma de mecânicas e elementos artísticos. Há muitos jogos que contam com aspectos técnicos soberbos, artes e músicas maravilhosas, ou mesmo uma gameplay divertida ao extremo, mas não causam um efeito duradouro em quem os consome. E há produtos falhos que vão muito além de suas limitações.

É preciso um talento ímpar para conectar todos esses elementos e colocá-los em harmonia a fim de contar uma narrativa que só poderia existir nessa mídia tão incrível que são os jogos eletrônicos. Taro e sua talentosa equipe entendem o que torna o ato de jogar algo especial e aproveitaram magistralmente as ferramentas à sua disposição para criar um jogo no qual a sua visão do mundo, bagagem, valores e mensagens poderiam alcançar o máximo de pessoas.

[V]eredicto

NieR Replicant ver.122474487139 pode até não ser tecnicamente perfeito, mas ele precisa mesmo ser? A sua sublime conexão com o jogador certamente transcende esse debate e, para quem tem a sorte de poder mergulhar nesse universo tão rico, só resta a gratidão por ter vivido uma saga inesquecível e um sorriso largo como o da máscara sempre vestida por seu diretor.

Nota Voxel: 100

Nier Replicant é uma obra de arte e um atestado do poder dos video games como mídia interativa

Pontos positivos

  • Narrativa que tira proveito do gameplay para contar uma história única que só é possível por meio de video games.
  • Personagens memoráveis.
  • Criativo e provocativo ao extremo.
  • Trilha sonora soberba.
  • Diferente de tudo que você já viu.
  • Muito conteúdo para descobrir.
  • Extremamente autoral.
  • É um jogo do tipo “ame ou odeie”.

Pontos negativos

  • Sem localização em português.
  • Muitos loadings.
  • É um jogo do tipo “ame ou odeie”

NieR Replicant ver.122474487139 foi gentilmente cedido pela Square Enix para a realização desta análise.

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