A história das telas touchscreen

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Criança brincando com tela sensível ao toque. (Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia Commons)

Há alguns anos não era nada comum ver alguém usando um dispositivo com tela sensível ao toque, especialmente um celular. Se você nasceu até os 1990, é bem provável que o primeiro aparelho equipado com tal tecnologia que viu foi em alguma obra de ficção científica do cinema.

Atualmente, smartphones, tablets, GPS e até mesmo monitores que fazem parte do nosso dia a dia trazem telas do gênero. Seja dentro de casa ou na rua, em totens digitais ou caixas eletrônicos espalhados pela cidade, não é tão incomum ver alguém utilizando os dedos (ou uma caneta especial) para manipular o conteúdo exibido no display.

Apesar de ter caído nas graças fabricantes e utilizadores há pouco tempo, a história das telas sensíveis começou há cerca de 50 anos, na Inglaterra, com o inventor E. A. Johnson. De lá pra cá, o conceito evoluiu bastante por meio de contribuições de vários cientistas ao redor do mundo.

A primeira touchscreen

Era o ano de 1965 quando o inventor britânico E. A. Johnson descreveu seu trabalho em torno de uma tela sensível ao toque capacitiva em um pequeno artigo — dois anos depois, ele descrevia o seu conceito em um texto mais completo. Em 1968, um novo artigo do mesmo cientista é publicado, desta vez tratando das possibilidades da tecnologia.

O fato é que os historiadores consideram a tela desenvolvida por Johnson no Royal Radar Establishment, em Malvern, Reino Unido, como o primeiro touchscreen da história. O equipamento foi desenvolvido para uso em radares de controle de tráfego aéreo, perdurando até a década de 1990.

Primeiro touchscreen da história. (Fonte da imagem: Bill Buxton)

O equipamento, apesar de capacitivo, era bem simples. Ele era capaz de suportar apenas um toque por vez (ou seja, não tinha suporte multitouch) e também era binário, identificando apenas duas posições: toque ou ausência de toque, independente da pressão aplicada ao display.

Um acidente dá à luz as telas resistivas

Por incrível que pareça, as telas capacitivas, aquelas que podem ser manipuladas com precisão usando apenas a ponta dos dedos para isso, foram criadas antes das resistivas, as que demandam o uso de canetas especiais. Estas surgiram apenas no início dos anos 1970, quando o inventor estadunidense G. Samuel elaborou um método de facilitar os estudos de sua equipe de física nuclear.

Para acelerar um trabalho tedioso, o doutor Samuel — junto de outros dois membros de sua equipe — usou um papel eletronicamente condutivo para ler coordenadas X e Y. Esse protótipo criou meio que sem querer a primeira tela de computador sensível ao toque que se tem conhecimento.

Projeto PLATO

O próximo passo da escala evolutiva ocorreu também no início dos anos 70 e foi chamado de projeto PLATO. A tela utilizada no terminal PLATO IV foi uma das várias surgidas na época e uma das mais bem-sucedidas, apesar de ainda não ser sensível à pressão.

PLATO IV. (Fonte da imagem: Divulção)

Ela não era nem resistiva, nem capacitiva, mas funcionava a partir de um sistema de infravermelho sobre uma tela de plasma (tecnologia utilizada atualmente nos televisores de plasma). O dispositivo foi criado por Donalt Bitzer na Universidade de Illinois, Estados Unidos, e servia para que os estudantes respondessem questões apenas tocando na tela.

E começam os multitouch

Até então, as telas sensíveis ao toque não eram capazes de identificar mais de um toque por vez. Isso começa a mudar em 1982, quando Nimish Mehta, da Universidade de Toronto, no Canadá, apresenta o primeiro dispositivo multitouch do mundo.

Na opinião de Bill Buxton, cientista canadense pioneiro no ramo da interação entre computador e seres humanos e que deu grandes contribuições ao aperfeiçoamento da criação de Mehta, o aparelho era mais um tablet sensível ao toque do que uma tela propriamente dita.

Em sua linha do tempo de dispositivos de interação com a máquina, Buxton apresenta a o sistema multitouch de Mehta como “um filtro de plástico translúcido montado sobre uma placa de vidro, iluminado lateramente por uma lâmpada fluorescente”. Além disso, uma câmera acoplada abaixo da superfície tátil capturava opticamente as sombras que apareciam no filtro transparente.

Interação gestual

As telas começavam a se desenvolver, mas ainda não apresentavam suporte ao reconhecimento de gestos. Foi Myro Krueger, um artista digital estadunidense, que deu a primeira grande contribuição para mudar esse panorama em 1983, quando apresentou o Video Place (mais tarde renomeado para Video Desk).

O equipamento era um sistema óptico que permitia rastrear o movimento por meio do uso de projetores e câmeras de vídeo. A interação não se dava propriamente com a tela, mas a captação óptica era capaz de reconhecer inúmeros movimentos ou, como relatou Krueger em um livro, se tratava de uma “rica interação gestual”.

A era do touchscreen comercializável

Os anos 1980 marcam um grande salto na história dos dispositivos com telas sensíveis ao toque: o primeiro computador equipado com essa tecnologia chega ao mercado em setembro de 1983, o HP-150. Ele estava equipado com MS-DOS e trazia ainda um monitor de CRT da Sony de 9 polegadas. Um sistema infravermelho reconhecia quando um dedo tocava o display. Era possível ter um desses em sua casa por US$ 2.795.

O grande contratempo, porém, foi o efeito “braço de gorila”. Assim foi chamada a fadiga muscular causada por ter que manter o braço no ar para tocar a tela, afinal, o infravermelho emitido pelo aparelho era bloqueado por seu dedo e, desse modo, a máquina identificava exatamente onde ele se encontrava.

HP-150. (Fonte da imagem: Divulgação/HP)

Assim, pode-se dizer que a primeira tela do gênero a ser um sucesso comercial foi a criada por Bob Boie do Bell Labs, EUA, em 1984. Ela usava uma matriz capacitiva transparente de sensores táteis sobrepostos em um CRT. Segundo Bill Buxton, ela permitia ao usuário “manipular objetos gráficos com os dedos com um excelente tempo de resposta”.

As telas se tornam portáteis

Os anos 1990 foram o início da fase portátil das touchscreen. O primeiro foi o comunicador portátil Simon Personal Communicator, criado a partir de uma parceria entre a BellSouth e a IBM e que trazia funções de pager, envio e recebimento de emails, calendário, agenda, bloco de notas e calculadora. A tela era resistiva e exigia uma caneta para funcionar.

Muito tempo antes do iPad, a Apple se aventurou no mundo dos blocos de nota digitais com telas sensíveis ao toque: em 1993, a empresa lançava o MessagePad. Resistiva, ela também precisava de uma caneta especial para a manipulação de conteúdo. Por falhas técnicas, o produto foi um fracasso de vendas, ao contrário do seu descendente atual.

(Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia Commons)

Em 1996, foi a vez da Palm entrar no jogo com o Pilot, primeiro de vários dispositivos touchscreen da companhia. A experiência com o equipamento era simples e se assemelhava a desenhar em um pedaço de papel. Por alguns anos e depois de diversos lançamentos, a Palm foi a grande referência quando o assunto era equipamentos de comunicação portáteis com telas sensíveis ao toque.

Chegam os multitouch atuais

No final dos anos 1990, uma nova revolução esteve a caminho das touchscreen. Estudante da Universidade de Delaware, Estados Unidos, Wayne Westerman apresentou a sua dissertação de doutorado “Rastreamento de mão, identificação de dedo e manipulação de acorde em uma superfície multitoque”.

Na publicação, Westerman detalha melhor os mecanismos que atualmente são aplicados às telas que suportam vários toques, utilizadas em praticamente todos os smartphones e tablets. O estudante e seu orientador acadêmico criaram uma empresa chamada FingerWorks, na qual exploraram melhor os seus conceitos.

iGesture Pad. (Fonte da imagem: Divulgaçãi/FingerWorks)

Lá, eles criaram um equipamento chamado iGesture Pad, um trackpad semelhante ao utilizado em notebooks nos dias de hoje. Vale lembrar que a FingerWorks foi adquirida pela Apple em 2005 e muitas das tecnologias multitouch aplicadas em produtos da Maçã, como o Trackpad e o iPhone, vêm da empresa de Westerman e seu orientador.

Desenvolvimento, 3D e touchscreen

A chegada dos anos 2000 foi realmente significativa para a tecnologia de telas sensíveis ao toque, com um grande número de equipamentos surgindo nesse período. Em 2001, um a chegada do PortfolioWall marca uma nova fase nas possibilidades de interação com conteúdo digital.

O equipamento foi desenvolvido por meio de uma parceria entre a General Motors e uma equipe da Alias|Wavefront. Bill Buxton era o líder do projeto e conta que o PortfolioWall era uma “interface gestual que permitia aos usuários interagir completamente com um material digital”. O equipamento era indicado para grupos de trabalho, pois permitia a manipulação de imagens e animações usando apenas os dedos para isso.

Múltiplos toques e posições

Em 2002, foi a vez da Sony dar sua contribuição à rica história das telas sensíveis ao toque. A empresa japonesa trouxe ao mundo a SmartSkin, uma tecnologia capaz de calcular a distância entre a mão e a superfície por meio de sensores capacitivos e de uma antena.

Diferente de outros métodos, a captação aqui não se dava por meio de câmeras, mas sim de sensores integrados à superfície tátil. Apesar de não ter alcançado um sucesso de mercado, a SmartSkin trouxe grandes contribuições ao desenvolvimento de telas capacitivas e também pode ser considerada predecessora das multitoques atuais.

Pegando com os dedos

O próximo estágio foi iniciado com o HandGear, da empresa canadense DSI Datotech, em 2002. Ele era basicamente um trackpad como o iGesture, mas tinha uma capacidade extra: era possível “pegar” objetos da tela usando o equipamento, aumentando assim o controle da interação com o conteúdo digital. Problemas financeiros impediram o prosseguimento do projeto.

Em 2004, um funcionário da Microsoft desenvolveu uma tela 3D sensível ao toque que funcionava por meio do reconhecimento de gestos. Seu criador era Andrew D. Wilson e a invenção, chamada de TouchLight, usava um projetor para transformar uma placa de acrílico em uma superfície interativa capaz de reconhecer múltiplos toques.

Avanços e superfícies tocáveis

A história da humanidade é, sobretudo, a história da acumulação e transformação do conhecimento — e este artigo já mostra o quanto tecnologias diferentes estão interligadas de forma direta ou indireta. Assim, em 2006, o cientista Jeff Han apresentou ao público a sua tela sensível ao toque livre de interface.

O material era uma ideia inacabada que usava sistema capacitivo e infravermelho para identificar exatamente onde estava sendo tocado. A tela foi possível, explica Han, graças à “reflexão total interna frustrada”, ou FTIR na sigla em inglês, uma técnica biométrica para reconhecimento de impressões digitais.

A criação de Jeff Han era sensível à pressão e capaz de sentir absolutamente qualquer toque na tela, além de sua produção não ser tão cara, como relatou o inventor durante apresentação no TED daquele ano. Em 2012, Han vendeu sua empresa para a Microsoft.

Computador dentro da mesa tátil

Antes de “Surface” ser o nome do tablet da Microsoft, a companhia de Bill Gates usou o título para representar a sua tabletop sensível ao toque. Um “computador dentro de uma mesa”, como relatou o Ars Technica em 2007, o equipamento trazia imagens retroprojetadas em uma superfície localizada no topo de uma mesa.

Foram 85 protótipos até que o material ficasse pronto para a sua primeira versão final, demonstrada pelo próprio Gates. Em 2008, a companhia apresentou ao mundo uma versão de 30 polegadas do equipamento e revelou também que seu foco eram comerciantes que desejavam dar uma amostra de hardware e software a seus clientes dentro da loja.

Microsoft Surface (Fonte da imagem: Divulgação/Microsoft)

Os últimos anos foram de renovação para a linha: a Microsoft mudou o nome, visto que Surface agora é o tablet desenvolvido pela empresa, e passou a chamar sua tabletop de PixelSense.

O equipamento funciona com luz posterior que emite infravermelho, atinge o vidro da tampa e reflete nos sensores integrados, permitindo assim identificar a ação realizada na tela. Assim, o nome escolhido pela Microsoft reflete exatamente a capacidade de seu produto: cada pixel do display é sensível ao toque.

50 anos depois

Quase cinco décadas depois do trabalho apresentado por E. A. Johson no Reino Unido, as telas sensíveis ao toque servem a seus usuários das mais variadas maneiras. Para fins de entretenimento ou profissionais, é fato que estes dispositivos vão fazer cada vez mais parte de nossa vida. Como isso vai acontecer, porém, já é outra história.

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