Cris Motinha: a brasileira escolhida como 'Inovadora' para o MongoDB (EUA)

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Cristina Motinha, ou Cris Motinha, começou a "programar" aos 10 anos de idade. Doze anos depois, especificamente aos 22 anos, Cris é uma das brasileiras selecionadas como "Female Innovators" pela MongoDB World 2017, que acontece em Chicago (EUA), nos mês de junho.

Aos 22 anos, Cris vai representar o Brasil nos Estados Unidos

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A MongoDB World é uma convenção mundial que reúne profissionais que trabalham com o banco de dados homônimo. Na convenção, os participantes falam sobre inovações e novidades no mundo da tecnologia da informação. Porém, não estamos aqui para falar do evento. Estamos aqui para falar sobre Cris, uma mulher que vai representar o Brasil em um evento norte-americano.

O TecMundo conversou com a garota de 22 anos, que hoje cursa o segundo período de Sistemas da Informação na Universidade Federal Fluminense, para entender mais sobre como foi essa caminhada até a seleção como "Female Innovator". Conversamos sobre todos os passos e também sobre como é a aceitação das mulheres em uma das áreas mais povoadas por homens.

Cristina Motinha

TecMundo: Quando a programação apareceu na sua vida?

Cristina: "Eu tinha uns 10 anos. Minha mãe havia se inscrito em um curso de HTML, porém, faltava um dia para o curso fechar e eu acabei fazendo no lugar dela — o curso era a distância. Ela já havia feito curso de programação de DOS e trabalhava com manipulação digital de fotos; lá em casa sempre teve PC, por exemplo. Então, de certa forma, ela que trouxe isso para mim. Esse foi o meu primeiro contato, mas eu não levei muito a sério na época".

TecMundo: Mas, nessa idade, você fazia algo com esse conhecimento?

Cris: "Eu só deixava meu blog cheio de mouses brilhantes e indexava players de música. Até o começo de 2016, eu sabia apenas o básico de HTML".

TecMundo: Então, quando foi que você resolveu entrar de vez para a programação?

A frase estampada no peito? Sonhe, codifique e crie

Cris: "Eu sou formada em Alimentos pela IFRJ e cursei três períodos na faculdade de Farmácia, na UFRJ, e também na área de bioquímica. Foi por lá que cheguei a conclusão que 'não nasci para isso'. Então, também foi na UFRJ que conheci umas pessoas que cursavam Ciência da Computação. Foi pouco tempo até eu perceber que era isso que queria. Depois disso, comecei a ler sobre Sistemas de Informação e, quanto mais eu lia, mais eu me apaixonava pela proposta de programar e ser ponte entre TI e empresa. Parecia feito pra mim, sob medida.

Em janeiro de 2016 foi quando comecei oficialmente minha jornada na programação. Me inscrevi no curso HTML/CSS do Codecademy e comecei a fazer todas as tarefas, uma atrás da outra, como um vício. Depois, foi a vez do JavaScript, e depois mais JS pelo W3Schools".

TecMundo: Você encontrou outras formas de apoio fora da faculdade?

Cris: "Encontrei o Django Girls. Um workshop para mulheres que nunca programaram ou que eram bem iniciantes. No dia do evento, tive uma recepção maravilhosa por meninas maravilhosas. Fiquei encantada com Django e com Python. Tentava associar tudo ao que eu já conhecia, e montei esse quebra cabeça louco que misturava chaves com 'def' e por aí vai. Cheguei em casa com a camisa do evento, que dizia 'Dream, Code, Create', e sabendo que fiz a escolha certa de ir pra essa área
Agora já tem uns 15 meses desde que comecei essa jornada. Já fiz mil coisas com JS, com Python, com C, com .NET, enfim... Vi mil coisas em pouquíssimo tempo".

Cris em fotos para financiamento de viagem para o congresso MongoDB

Mercado e sociedade

Sim, você sabe disso e não há como negar: a Tecnologia da Informação é dominada por homens. Mesmo com milhares de inovações e descobertas feitas por mulheres, são os homens que dominam as principais vagas em empresas, os principais cargos em universidades e também ainda são os homens que sempre são lembrados como figuras centrais quando falamos em tecnologia. E isso é um erro.

As mulheres nesta área são desestimuladas desde o estudo até o âmbito profissional, segundo Cris. E este ponto é delicado, então vamos deixar quem vivenciou tudo isso na pele contar um pouco mais sobre isso.

TecMundo: Na empresa que você trabalha, você já sentiu alguma pressão diferente por ser mulher?

Cristina: "Não. Tenho sorte de estar numa empresa que eu não tenho esse tipo de problema, mas já vivenciei muita coisa em cursos que fiz, por exemplo".

TecMundo: Você poderia comentar mais sobre isso? Qual os motivos do tratamento diferenciado e como você lida com isso?

Cris: "Eu acho que é uma mistura muito grande de subestimar com medo de perder espaço no mercado. Isso chateia, chateia muito, te desestimula. Porém, como eu tenho certeza de que é isso que eu quero, é isso que eu sou boa, eu melhoro o máximo que posso e passo por cima desses caras.
Eu já ouvi de professor em cursos que essa história de que programação veio de secretárias e que tinha muita mulher no início é tudo mentira. Que a Ada Lovelace não fez nada do que falam e que isso tudo é mentira pra atrair menina para a área.

Infelizmente, ainda tem pouca menina entrando na faculdade

Também já ouvi que não tem nada disso de assédio nem de desigualdade, que mulher não entra em Tecnologia da Informação porque não quer, porque não se esforça".

  • Nota da redação: Ada Lovelace foi uma matemática e escritora inglesa que escreveu o primeiro algoritmo processado por uma máquina, a máquina analítica de Charles Babbage. Hoje, existem diversos prêmios da área que carregam o nome Ada Lovelace

TecMundo: E como isso funciona na faculdade e em cursos?

Cris: "Infelizmente, ainda tem pouca menina entrando na faculdade. Eu, por exemplo, sou a única mulher na sala de uma das disciplinas que eu faço — e isso acontece na UFF, que tem curso reconhecido etc. Quando eu estudava Farmácia, todos os meus amigos de Ciência da Computação era homem, na UFRJ.

Acontece que, quando você não se acha boa, não tem muita certeza, esse tipo de situação te desestabiliza muito".

TecMundo: Toda pessoa, na transição entre a vida estudantil e a vida profissional, pode duvidar da própria capacidade e duvidar de si mesma. Entendo que, com você e por estar nessa área, isso pode ser ter sido mais pesado. O que te deu força para continuar?

Cris: "O que me deu muita força pra continuar foi justamente o workshop Django Girls e o PyLadies, que são da linguagem Python. O PyLadies é voltado para iniciantes e para o público feminino, para mostrar que, apesar de ser uma área ainda dominada por homens, nós também somos tão capazes quanto eles. Nós não estamos programando para deixar sites bonitos.

Foi nos debates com essas meninas que eu vi que eu realmente era capaz. E foi depois disso que consegui um emprego, que consegui crescer.

É um problema: porque menina quando criança ganha ferro de passar e menino ganha videogame? Quantas meninas são incentivadas a desmontar eletrônicos, a explorar o computador?".

Dream, Code, Create

Evento internacional

Como citamos anteriormente, Cristina irá ao evento MongoDB World 2017, que acontece em Chicago (EUA), nos mês de junho. Por lá, a jovem estará representando o Brasil como "Female Innovator". Ou seja: além de ter a oportunidade a aumentar as próprias habilidades, ela também mostrará que o Brasil tem muito potencial no mercado.

Cris foi escolhida por meio de indicações de amigos das comunidades que participa. Eles escreveram um formulário apontando os motivos de Cris receber a indicação 'Female Innovators'; o evento checou as diretrizes (que você encontra no site oficial) e viu que a jovem cumpria todos os pontos.

"Vou me encontrar com outras 'Female Innovators', e uma das primeiras coisas que quero fazer é conversar com elas e ver como que elas fazem a inclusão de meninas nos países delas, conversar sobre como lidar com os desafios do dia-a-dia de ser mulher na computação", explicou Cris. "Mas também quero muito conversar com o máximo de pessoas que eu conseguir, sugar o máximo de conhecimento de como as pessoas usam o MongoDB nos projetos delas e como posso trazer esse conhecimento para os grupos que eu participo".

O Brasil ainda precisa conquistar muito espaço no mercado internacional de TI

Cris também deixa claro essa parte de representar o país: "Estarei, principalmente, representando o Brasil e todos os desenvolvedores nele. O Brasil ainda precisa conquistar muito espaço no mercado internacional de TI, e há muito espaço para crescimento. Me sinto num momento muito importante, fazer parte desse crescimento é maravilhoso e quero incentivar o máximo de pessoas a participar dele também", disse.

Para ir até os Estados Unidos, a Fredtour, empresa de viagens, está patrocinando Cris e vai fornecer passagens de avião e hospedagem durante o MongoDB World 2017.

TecMundo: Além do MongoDB World 2017, você vai participar de mais algum evento?

Cristina: "Vai acontecer o Django Girl Niterói (RJ), no dia 20 de maio — e eu estou orgulhosamente organizando. As inscrições vão até dia 28, no site djangogirls.org/niteroi. Pra quem não conhece, é um workshop para pessoas bem iniciantes (ou que não saibam nada) de programação, usando o framework Django, da linguagem Python. As vagas são preferencialmente para meninas, mas isso não impede a inscrição e aceitação de meninos também!".

TecMundo: Como os iniciantes que querem entrar nessa área podem buscar apoio? E sobre as meninas que buscam mais informações? Existem canais mais específicos?

Cris: "Existem muitos lugares de apoio para iniciantes. A comunidade de TI é enorme e muito receptiva. Existem vários grupos no Telegram, por exemplo. Também tem os encontros, workshops e meetups promovidos por essas comunidades.

Para meninas, eu indico os grupos em que sou ativa, como o Django Girls e o PyLadies, que promovem workshops de Python. Mas tem vários outros, como Rails Girls, R Ladies, PrograMaria, entre muitos outros, que são de outras linguagens mas tão maravilhosos quanto!".

TecMundo: E que dicas você daria para pessoas que querem entrar nesse mundo?

Cris: "Sobre dica, eu vou com a que eu falei na palestra que dei no Rio Dev Day de 2016 e vale para todos: conte com as pessoas que virão nessa caminhada. São muitas dificuldades e muito tempo quebrando a cabeça para resolver um problema. Ter a visão de outras pessoas facilita muito mesmo. Apesar de muita gente achar que a galera de TI é aquela que fica grudada no computador o dia todo, ela, na verdade, passa muito tempo trabalhando com outros humanos sobre como fazer aquilo funcionar! Seja por fóruns de dúvida, lendo matérias sobre o assunto ou debatendo em comunidade, estamos sempre buscando formas mais eficientes de resolver as coisas.

Se eu consegui, todo mundo que quiser consegue

TecMundo: Mais específico, e sobre começar a programar?

Cris: "Existem diversas maneiras de começar a programar. Eu comecei sozinha, em cursos grátis online e tirando muitas dúvidas com os amigos que estavam de bobeira. Só depois entrei nos grupos de meninas e na faculdade. Não se preocupem, tem muita fonte de conhecimento gratuita por aí para quem quer começar.

Minha sugestão é que pensem com que tipo de tecnologia vocês querem se envolver primeiro, por exemplo, decidir se quer (primeiro) fazer sites ou aplicativos, desktop ou mobile. E lembrar sempre que você pode 'mudar de lado' quantas vezes quiser — é uma das melhores partes, nunca fica chato ou estagnado!

TecMundo: O que você diria para menina que está se interessando sobre o assunto e começando a programar?

Cris: "Você consegue. Quando eu publiquei um texto sobre a minha trajetória em TI, recebi várias mensagens de pessoas que estavam procurando incentivo e que o acharam no meu texto. Eu não sou uma gênia da computação, nem a próxima Ada. Por isso mesmo eu digo e repito: se eu consegui, todo mundo que quiser consegue.

É difícil recomeçar, é difícil começar do zero. O primeiro passo sempre é o mais difícil. Mas é possível fazer tudo isso e começar uma carreira nova. É possível ser feliz! Eu continuo de braços abertos para conversar com qualquer um que queira saber mais sobre como me virei, sobre as dificuldades e felicidades da área e, principalmente, para quem não faz ideia de como começar e precisa daquele empurrãozinho".

Cris, quando criança

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Fontes

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