Descubra como funciona a tinta “autolimpante” dos automóveis

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Se você tem ou já teve um carro, sabe o tamanho da dor de cabeça que é mantê-lo limpo, seja pela poeira de quem mora em uma área rural, seja pela poluição e pela chuva ácida das grandes cidades. Além de atrapalhar a parte estética, com o desgaste da pintura, que com o tempo vai perdendo vida e ficando inevitavelmente com cara de “velha”, a falha na proteção pode gerar pontos de ferrugem, um mal terrível para a vida útil do automóvel.

A solução para esses problemas seria criar uma tinta que repelisse todos esses materiais que podem sujar e danificar a estrutura do carro. Assim, no ano de 2014, a montadora japonesa Nissan foi pioneira no desenvolvimento de uma tinta capaz de impedir que tanto água quanto óleo e outras partículas ficassem “presas” a essa cobertura, estragando o visual do veículo.

O material desenvolvido para proporcionar essa proteção – batizado de Ultra-Ever Dry – foi aplicado em apenas metade de um carro da marca e apresentado em um vídeo que pode ser assistido através deste link. Ainda em fase de testes e sem previsão para ser incorporada nos carros diretamente na fábrica, a tinta é um material hidrofóbico e lipofóbico, ou oleofóbico, e pode ganhar outras aplicações fora da indústria automobilística. Mas, afinal, como esse tipo de substância funciona?

Nissan Leaf com a metade direita protegida pelo Ultra-Even Dry

Medo de água

A hidrofobia da qual vamos tratar não tem nada a ver com algum distúrbio psicológico que causa medo doentio de água, nem mesmo diz respeito à sua versão virótica, também conhecida como raiva, uma zoonose geralmente encontrada entre cães, gatos e morcegos. Trata-se, na verdade, de uma propriedade física de uma molécula que a faz ser repelida pela água. Na verdade, não há uma força de repulsão entre as substâncias, apenas uma completa ausência de atração entre elas.

Moléculas hidrofóbicas tendem a ser não polares e incluem substâncias como alcanos, óleos, gorduras e outros materiais geralmente gordurosos

Moléculas hidrofóbicas tendem a ser não polares e incluem substâncias como alcanos, óleos, gorduras e outros materiais geralmente gordurosos. Elas podem ser utilizadas como agentes responsáveis por remover óleo de água, como no caso de derramamentos de petróleo ou outros produtos químicos similares, e por outros processos de separação química em ambientes mais controlados.

É possível notar as propriedades hidrofóbicas inclusive na natureza, principalmente em plantas e insetos. Conhecida nos vegetais como “efeito lótus”, essa propriedade é encontrada nas folhas do lótus e em outras plantas, como a capuchinha, a figueira-da-índia e a alquemila, também conhecida como pé-de-leão. O efeito tem a função de manter as folhas sempre limpas e utiliza uma arquitetura micro e nanoscópica para funcionar.

Água repelida por folha de lótus pelo chamado "efeito lótus"

Entre os insetos, a propriedade é bastante utilizada por alguns indivíduos dessa classe para “flutuar” sobre a água. Os mais famosos a se aproveitarem do efeito da hidrofobia são conhecidos como alfaiates, também chamados no Brasil de insetos-jesus, por parecer que caminham sobre a água. Essa propriedade é criada, nesse caso, pelos milhares de micropelos nos corpos das criaturas, que resultam em uma superfície hidrofóbica.

Insetos "flutuam" sobre a água utilizando propriedades hidrofóbicas

Entra a nanotecnologia

Apesar de estar apenas recentemente associada à tinta para pintura de carros, esse material artificial utilizado para repelir água e outras substâncias já vem sendo desenvolvido e testado por cientistas há algum tempo. Para criar sua pintura à prova d’água e de outras substâncias, a Nissan buscou a ajuda da Nano Labs, especializada em nanotecnologia, um ramo da indústria que gira em torno do estudo e da criação de nanopartículas com propriedades especiais e únicas.

Corpúsculos extremamente pequenos reagem de maneira específica com partículas comuns, como moléculas de água, óleo ou outras substâncias

Esses corpúsculos extremamente pequenos reagem de maneira específica com partículas comuns, como moléculas de água, óleo ou outras substâncias. Podem ser usados para criar roupas que reduzem a poluição por onde passam, por exemplo, e são usados, inclusive, em produtos cosméticos, como protetores solares.

Juntamente com a Nano Labs, a Nissan criou o Ultra-Ever Dry com base em revestimentos que são fornecidos para a indústria e o comércio para funções diversas. A inspiração para a criação desse material foi justamente a folha do lótus, e é aí que a nanotecnologia faz o seu papel: imitando a arquitetura minúscula do vegetal, os engenheiros criaram estruturas nanoscópicas para minimizar a área da superfície onde a água e a sujeira se prendem, o que faz com que essas substâncias e outros contaminantes sejam expelidos daquele local pela própria gravidade, pelo vento ou com extrema facilidade por interferência de uma pessoa.

Nanoestruturas impedem a gotícula de se prender à superfície

Ou seja: quando a superfície do carro é coberta com essa pintura especial, as coisas que caem sobre ela, normalmente água, lama, óleo, poeira e, com muita frequência, cocô de passarinho, não conseguem se prender no veículo. As nanoestruturas da tinta não repelem os detritos, porém não permitem que eles “colem” no revestimento, e a força da gravidade e a do vento os fazem rolar e cair de cima do carro.

Proteção climática

Além de manter a parte visual do veículo impecável sem muito esforço, a aplicação desse material hidrofóbico e oleofóbico sobre o carro pode aumentar muito a durabilidade de seu revestimento, visto que o acúmulo de detritos pode danificar permanentemente a tinta. A Nano Labs garante que o Ultra-Ever Dry é capaz de evitar o contato da tinta do carro com chuva ácida (comum em grandes centros urbanos), acúmulos de neve e outros detritos.

A adoção de um revestimento com essas propriedades especiais é muito mais barata do que a eventual manutenção da pintura danificada do carro

Segundo os especialistas da empresa, acaba sendo muito mais barata a adoção de um revestimento com essas propriedades especiais do que a eventual manutenção da pintura danificada do carro ou até mesmo outros tipos de produto que existem no mercado e se prestam a manter a aparência do carro intacta.

Para demonstrar ao público as vantagens da tinta “autolimpante”, a Nissan lançou em 2014 um vídeo que mostra uma pegadinha em que, para o desespero dos desavisados transeuntes, atores derrubam uma lata de tinta sobre o Nissan Leaf, o modelo escolhido pela montadora para testar o Ultra-Ever Dry.

Além da tinta que protege os veículos de materiais danosos, a Nissan já mostrou bastante experiência no quesito revestimento de seus carros apresentando uma série de outros produtos curiosos, como a pintura que brilha no escuro e a que muda de cor quando entra em contato com água gelada.

Produto multifuncional

A essa altura, após termos tratado de tantas virtudes que materiais “fóbicos” podem ter, você deve estar imaginando que essas substâncias também tenham outras aplicações muito práticas fora da indústria automotiva. E você está correto!

A tinta castiga os “mijões” de plantão que decidem se aliviar em lugares indevidos, como os muros de becos

Apesar de tudo ainda estar em fase de testes, visto que esse tipo de substância ainda exige um grande processo de desenvolvimento em laboratórios extremamente especializados em nanotecnologia, um rápido passeio pela internet pode mostrar diversas funções interessantes para uma tinta hidrofóbica.

É o caso da pintura “antixixi”, aplicada em caráter de teste nos muros da cidade norte-americana de São Francisco. A tinta, que possui uma propriedade hidrofóbica bastante alta, castiga os “mijões” de plantão que decidem se aliviar em lugares indevidos, como os muros de becos. Assim que a urina dos meliantes acerta a superfície revestida pelo material especial, ela é respingada de volta na perna dos espertinhos, que certamente vão pensar duas vezes antes de fazer necessidades no lugar errado.

Existem também revestimentos especiais para muros, que os protegem das temidas pichações e tornam o trabalho de limpeza extremamente mais fácil, e até um material que serve para revestir pratos, copos e outros itens afins, tornando-os imunes à sujeira e exigindo apenas um leve enxágue para estarem totalmente limpos, o que acabaria com uma das atividades domésticas mais odiadas do mundo: lavar louça.

Louças recobertas pelo material hidrofóbico e oleofóbico

Protegendo o meio ambiente

Com um pouco de imaginação e criatividade, o material usado como pintura “autolimpante” em automóveis pode ser aplicado em uma enorme diversidade de objetos para protegê-los não apenas contra sujeira, mas também contra substâncias que podem destruí-los com o passar do tempo.

Segundo a Nano Labs, o Ultra-Ever Dry não apenas não faz mal para o meio ambiente em sua produção e aplicação, como também pode beneficiar a natureza de diversas maneiras, tanto ao dar uma maior vida útil para uma infinidade de objetos quanto ao economizar água e evitar a utilização de produtos químicos empregados em limpeza.

Não é um sonho irreal imaginar que, em poucos anos, a maioria dos automóveis vai sair de fábrica com essa proteção

Com o passar do tempo, essa tecnologia deve ficar mais adaptada às suas funções e deve ser mais bem desenvolvida ainda para ter seu custo barateado. Não é um sonho irreal imaginar que, em poucos anos, a maioria dos automóveis vai sair de fábrica com essa proteção e o próprio material hidrofóbico e oleofóbico poderá ser mais facilmente comercializado em lojas de materiais de construção e de limpeza, facilitando a vida de muita gente e deixando o mundo um lugar um pouco mais agradável de se viver.

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