A Fazenda 13 promove entretenimento a partir de caso de assédio (coluna)

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Imagem: Record / Playplus

Na semana passada, discutimos aqui a nossa (quase) inexplicável paixão por reality shows, especialmente por aqueles que atiçam o gosto de dar uma espiadinha na vida alheia. Se naturalmente já gostamos de olhar a intimidade dos outros, os reality shows funcionam como se fossem um mini-laboratório da fofoca preparados apenas para nos dar esse prazer.

Mas há prazeres e prazeres. No texto anterior, quando comentei sobre a estreia de A Fazenda 13, teci algumas considerações sobre a diferença entre este programa da Record e seu “rival” na Globo, o Big Brother Brasil. Arrisquei dizer que eles se distanciam principalmente por um fator: o elenco. É como se BBB representasse a primeira divisão dos realities, com anônimos e famosos de primeiro escalão; já Fazenda é assumidamente a segunda divisão, e por isso mesmo costuma apostar nas “rebarbas” de outros programas, como o próprio BBB, Power Couple e De férias com o ex. Dá até pra dizer que esta é graça de A Fazenda: o fato de ser assumidamente trash, ou seja, menos pretensioso que a atração global.

Montar um cast de um reality show não é algo que se baseia em mero achismo. Já há várias reportagens que documentaram as etapas de seleção de um programa como BBB e que nos mostraram que há muito interesse das emissoras em terem controle sobre as pessoas que levarão ao ar em suas atrações. A montagem do elenco de um programa deste estilo beira sempre o imponderável, pois é preciso que haja pessoas carismáticas, mas que não sejam passivas (no jargão, “planta”); que se envolvam com as dinâmicas, inclusive com as brigas, mas não se tornem intragáveis a ponto de o público querer expulsá-las (o que, muitas vezes, faz com que a diversão de um reality show se encerre muito cedo).

Comentamos que A Fazenda 13 parece jogar numa fórmula testada anteriormente. O elenco sugere um esforço de repetir os personagens da edição anterior (em que as estrelas foram Jojô Toddynho, MC Biel, Luiza Ambiel e Raíssa Barbosa); ao mesmo tempo, traz claras pistas de que o quesito “barraco” é um elemento importante para que role a química esperada no programa. Por isso, não é por acaso que a Record confirmou pessoas “canceladas” e/ou alvo de acusações graves. Dentre estes nomes, estão os de MC Gui (pego em um cassino clandestino durante a pandemia, além de ter tido sua carreira abalada por um episódio em que filmou e tirou sarro de uma menina com câncer), Liziane Gutierrez (que ficou famosa por um vídeo em que xingava a polícia após ter sido flagrada numa balada clandestina) e, no caso mais grave, Nego do Borel, que já tinha indiciamentos provindos de acusações de violência contra diferentes mulheres.

Mesmo que a Record apostasse na química explosiva deste elenco, aparentemente, a maionese desandou logo nas primeiras semanas. A funkeira Medrado (que também era uma promessa no quesito “conflitos”) desistiu do programa; Liziane Gutierrez foi eliminada pelo público; e Nego do Borel, como todo mundo que frequenta alguma rede social sabe, foi expulso do reality show, depois de ser flagrado em uma situação em que, após uma bebedeira numa festa, assediava a modelo Dayane Mello numa cama.

A primeira questão a se perguntar aqui talvez seja: este é um tipo de repercussão que a Record deseja para a A Fazenda 13? Querendo ou não, o fato é que o caso do assédio permanece repercutindo e fazendo o nome do programa circular. Mas imagino que a resposta mais possível é de que a emissora não ganha nada de bom com esse tipo de debate negativo. Caso isso seja verdade, outra questão possível seria: por que a Record então contrata para o seu programa nomes como o de um sujeito que é acusado de bater e torturar mulheres?

Se essa é, em alguma medida, a razão da fama (ao menos a mais recente) de Nego do Borel, quando uma emissora contrata um sujeito com essa reputação, está esperando qual resultado? Vale lembrar que esta prática (a de trazer sujeitos cancelados ou acusados de crimes) é algo recorrente em A Fazenda – basta lembrar, por exemplo, que Marcos Harter, o médico abusador do BBB 17, participou de A Fazenda – Nova Chance. Não há dúvida que foi a má fama dele que o levou para o programa, depois de ter sido expulso do BBB.

O segundo ponto para se destacar é a cobertura totalmente esquisita que foi dada pela edição do programa ao episódio da expulsão de Nego do Borel (um trecho está disponível no canal do programa). Cobrada incisivamente nas redes sociais, a Record teve que articular a expulsão do cantor (muito provavelmente, contra a sua vontade, e é de se duvidar que isso ocorresse se não fosse a pressão popular), e teve que dar explicações rápidas ao público.

A modelo Dayane Mello, que sofreu assédio no programa.A modelo Dayane Mello, que sofreu assédio no programa.Fonte:  Record / Playplus 

Esta prestação de contas ocorreu no momento exibido neste vídeo, em que aparecem várias cenas do programa: uma conversa de um produtor com Dayane Mello, em uma espécie de depoimento; a exibição das cenas do que havia acontecido na noite anterior; o momento em que Nego do Borel é chamado para ser informado sobre sua expulsão. A narração de Adriane Galisteu amarra as pontas entre os cortes.

Este programa, especificamente, me chamou a atenção por algumas razões. A edição de A Fazenda, no intuito dessa premissa de dar uma explicação à audiência, monta quase que um dossiê sobre o caso para ser analisado pelo espectador. Há várias visões do episódio, criando uma espécie de caleidoscópio. Há as reações de Dayane, expressas mais pelo seu corpo (tenso, desconfortável) do que pelas palavras; há também as reações de Nego do Borel, ao ser chamado sem que lhe informassem a razão. E, é claro, a cereja do bolo são as próprias câmeras instaladas na sede do programa, que capturam as interações entre os dois na cama, legenda as falas deles e as oferecem ao público – como nós, que assistimos ao programa, fôssemos todos detetives.

E qual o problema disso, de buscarmos as pistas no programa do que realmente houve? O problema que esse é um caso muito sério para que se reduza a entretenimento oferecido aos espectadores, que se “alimentam” desse jogo e também querem dar sua opinião. Penso que uma investigação dessas, que é caso de polícia, não se comporta às nossas habilidades de detetives televisivos. No fim das contas, com essa atitude da Record, todos sofrem: a mulher, que é revitimizada em cadeia nacional, sendo alvo de análises levianas de um país inteiro; o acusado, que perde suas chances de articular uma defesa e é julgado por pessoas que não têm qualquer preparo para isso; e todos nós, que nos acostumamos à ideia de que é possível avaliar casos criminais a partir do que vimos em um reality show.

Mas por fim, volto à pergunta: o que será que a Record queria quando escalou um acusado de violência doméstica para A Fazenda 13?

Maura Martins é jornalista, professora e editora do portal de jornalismo cultural Escotilha. No TecMundo, é colunista nos cadernos Minha Série e Cultura Geek.

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