Ted Lasso: série do Apple TV+ é um antídoto contra o cinismo (crítica)

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Imagem: Fonte: Apple TV

Comecemos pelo óbvio: Ted Lasso é, provavelmente, a série mais alto-astral que você verá. Ainda assim, ela é excelente. Parece um contrassenso que uma série possa ser alegre e, ao mesmo, ter grande qualidade? Isso se dá porque Ted Lasso, seriado do Apple TV+, consegue ser muito mais do que sugere em sua superfície.

Essa dúvida me surgiu após a leitura de um artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, que indaga sobre como fomos do culto a uma série de humor como The Office, baseada numa visão cínica sobre o ambiente corporativo, a uma narrativa totalmente feelgood como a de Ted Lasso. O apego que tínhamos aos personagens de The Office tinha algo de irônico. O líder do famoso escritório, Michael (Steve Carell) era uma pessoa completamente equivocada, egocêntrica, incompetente, ridícula – e é por isso (e pela sua boa índole que transparecia ao longo das temporadas) que gostávamos dele. Já o líder de Ted Lasso é claramente aquilo que se vê: uma pessoa boa, cujas todas as ações apontam sempre ao desejo de cultivar a gentileza. Em frente a tantas séries com personagens problemáticos, podemos hoje gostar de um sujeito assim?

Em tempo: Ted Lasso conta a história de uma traição. Na Inglaterra, um casal milionário se divorcia, gerando um escândalo midiático. O homem trocou sua esposa por uma mulher com a metade de sua idade. Na divisão de bens, a divorciada fica com o bem mais precioso do ex-marido: um pequeno time de futebol, chamado AFC Richmond. Como está magoada, ela arquiteta um plano de vingança. Contrata, assim, o técnico (de futebol americano!) Ted Lasso, que é trazido do Kansas para treinar o time, que está à beira do rebaixamento. A ideia é justamente de enterrar de vez a equipe.

Mas é claro que nada ocorre conforme o planejado. Ted Lasso (numa interpretação memorável de Jason Sudeikis, que havia criado o personagem em 2013 para uma série de comerciais que promoviam a transmissão da Premiere League no NBC Sports) chega a Londres, levando seu assistente, o Técnico Beard (Brendan Hunt), a tiracolo. Embora não saiba praticamente nada sobre futebol (num claro estereótipo do americano padrão, o caipira sulista, mergulhado no universo do futebol americano), ele não enxerga isso como um empecilho para assumir seu novo cargo. Afinal, ganhar uma partida nem é tão importante assim – não mais, por exemplo, do que se divertir e evoluir como ser humano.

Parece um seriado banal, com toques de discurso de autoajuda? Sim – e o mais curioso é que Ted Lasso é, de fato, uma série totalmente configurada para que nós, os espectadores, nos sintamos melhor. Não por acaso, foi louvada como uma espécie de remédio para as angústias da pandemia, o que explicaria seu sucesso. Mas a grande qualidade de Ted Lasso (indicada a 20 categorias no Emmy 2021), a meu ver, está no fato de conseguir o que parecia impossível: conseguir trazer alguma novidade e profundidade para um mote que parece ser de uma série rasa.

Para começar: praticamente não há vilões em Ted Lasso. O mais próximo disso está no personagem do milionário Rupert (Anthony Head), que tenta infernizar de todas as formas a ex-mulher. Todos os demais personagens são repletos de camadas, ainda que pareçam, à primeira vista, construídos a partir de estereótipos. A dona do time, Rebecca Welton (Hannah Waddingham), mesmo que esteja movida por más intenções ao contratar Ted, logo revelará seu bom coração. Suas melhores cenas são as que divide com outra personagem feminina, a modelo/ influencer Keeley Jones (a ótima Juno Temple), que se define como uma “famosa por ser quase famosa”. A dinâmica entre as duas traz momentos de pura sororidade, em que aspectos importantes das relações femininas, como as diferenças entre as gerações, são tocadas com delicadeza e, claro, muito humor.

Keeley, por outro lado, configura um triângulo amoroso divertido com dois jogadores do time: a estrela midiática Jamie Tartt (Phil Dunster), que tem ares de Cristiano Ronaldo, e o bruto Roy Kent (Brett Goldstein, que também é roteirista da série). As relações entre eles jamais resvalam para o drama – ou, eventualmente, quando isso acontece, é por meio de um roteiro afiado que consegue sempre arrancar alguma risada. Os personagens também trazem em si uma discussão interessante sobre etarismo no esporte: Roy, que é o jogador mais antigo do Richmond, precisa lidar com o fato de que seu corpo não é mais a potência que um dia foi. É subjugado o tempo todo por Jamie, que representa toda a vaidade mais típica da juventude – muitas vezes, está mais interessado nas roupas que ostenta que no esporte em si.

As divertidas personagens Rebecca Welton e Keeley Jones.As divertidas personagens Rebecca Welton e Keeley Jones.Fonte:  Apple TV 

Mas, como já disse, a grande riqueza de Ted Lasso é que nada é o que parece. Roy, em sua rusticidade decorada por uma pistola de palavrões que emite quando abre a boca, esconde um tio amoroso que faz tudo pela sobrinha e para o time infantil de meninas que treina; o superficial Jamie esconde a convivência com um pai abusivo; a milionária Rebecca esconde uma mulher solitária que lida com os conflitos com a própria idade; o humilde Nate (Nick Mohammed), um funcionário do time que acaba promovido a assistente técnico, esconde uma sede descontrolada por poder.

E, claro, sobra por fim o melhor personagem de todos, que é o próprio Ted Lasso. O que se passa por trás de alguém que é otimista o tempo todo? Ted, é claro, também tem suas sombras, que se manifestam sobretudo nas formas pelas quais lida com o casamento em crise. Mesmo em sua profunda gentileza, o treinador é repleto de nuances e persegue, mesmo sem saber, os seus próprios desafios – dentre eles, entender que ganhar, às vezes, pode ser até mais importante do que apenas competir.

Por isso, assista a Ted Lasso com a consciência de que você estará diante de uma das séries mais acolhedoras nos catálogos de streaming – e que está tudo bem em precisar deste abraço. Ted Lasso, afinal, é um maravilhoso antídoto contra o cinismo.

Maura Martins é jornalista, professora e editora do portal de jornalismo cultural Escotilha. No TecMundo, é colunista nos cadernos Minha Série e Cultura Geek.

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