Cargo: a humanidade em desolação (crítica)

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Com tamanha variedade de títulos envolvendo zumbis em filmes ou seriados nos últimos anos, é de se estranhar que os mortos-vivos estejam menos presentes em filmes de terror tal como haviam despontado no cinema com o clássico dirigido por George A. Romero. Nestes 50 anos passados, zumbis ganharam origens distintas, caracterizações melhoradas (e mais pútridas), paródias (quase sempre hollywoodianas), uma velocidade sobrenatural e outras versões que fizeram a temática se espalhar pelos gêneros narrativos como uma epidemia, passando a ser mais uma metáfora moral sobre a sociedade do que um mero artifício para amedrontar o público na sessão.

Além disso, se antigamente a hipótese de se explorar uma veia dramática parecia algo completamente supérfluo para a narrativa, culminando em personagens estereotipadas que quase sempre tinham um final previsível, hoje, porém, a necessidade de um explícito existencialismo durante a luta pela sobrevivência em terrenos hostis se tornou quase que primordial para qualquer obra que se aventura nessas distopias, especialmente após a notabilidade de títulos como o coreano Invasão Zumbi e, há 5 anos, o jogoThe Last Of Us e um minimalista curta-metragem australiano de nome Cargo.

Depois da marca excepcional de 14 milhões de visualizações no YouTube, os diretores Ben Howling e Yolanda Ramke queriam expandir o seu conto de breves 7 minutos para uma história que apronfudasse a sua visão sobre um apocalipse zumbi situado na Austrália, reprisando a conhecida história de um pai em busca de um lar seguro para sua pequena filha sem deixar de lado uma visita à cultura do país.

Agora, com 105 minutos e de exclusividade do catálogo da Netflix, a versão de longa-metragem de Cargo se inclina mais para uma obra introspectiva sobre os esforços de seus personagens pela sobrevivência do que um típico enredo de fuga desenfreada na desolação australiana.

A começar pelo acerto do roteiro de Ramke em não tratar a história como um caso de "dia zero" ou de uma grande epidemia (o que reflete a predileção pelo baixo orçamento), a mitologia aqui criada tem seu grau de originalidade que assegura o interesse do espectador. Infectados são chamados de "Virais", e há até mesmo uma espécie de kit "salva-vidas" distribuído pelo governo para conter ameaças e demais profilaxias, as provisões para a sobrevivência já são escassas (o que faz os personagens recorrerem ao saque, pensando até em vantagens para uma possibilidade de futuro menos hostil), sem se esquecer de fazer dos aborígenes um povo resistente e caçador que tem a sua própria convicção diante de todo o caos que não tem sequer um final previsto.

Habitualmente competente com sua atuação versátil e carismática, Martin Freeman (série Sherlock, trilogia O Hobbit) interpreta Andy, um marido e pai que tenta manter um resquício de afeto em tempos tão desesperançosos, principalmente quando é forçado a retornar para a terra firme carregando a filha nas costas em uma missão sem volta, encontrando no caminho algumas poucas pessoas que poderão ser de grande ajuda (ou não) nessa jornada.

No entanto, mesmo com tempo de sobra de projeção, personagens secundárias como Etta (Kris McQuade) e Lorraine (Caren Pistorius) demonstram um passado crível e que corrobora nas decisões que tomam, mas o roteiro e a direção não contribuem para que as mulheres tenham uma relevância maior nas consequências da trama, relegando as duas atrizes a falas frígidas demais para uma história que vai progressivamente carecendo de emoção.

Talvez o personagem coadjuvante mais interessante do filme a julgar principalmente por seus propósitos discutíveis, Vic (Anthony Hayes) não só impõe dilemas ao protagonista como retoma os momentos de ação, todavia resolvidos muito mais rápido do que o esperado. Já a aborígene Thoomi (Simone Landers), que tenta manter seu infectado pai a salvo da caçada de seus familiares, acaba sendo um empecilho para a narrativa, uma vez que esta trata de repetir a motivação da garota até o seu coincidente (até demais) encontro com Andy. Nisso, a sua relação com o "homem branco" tarda em ser comovente porque os diretores parecem insistir em uma dinâmica hesitante, ecoando com o que foi visto em Logan até mesmo quando a personagem demora para falar qualquer coisa.

Admirável mais por sua fotografia ensolarada que não economiza em tomadas aéreas – a ponto de tornar o longa uma propaganda turística para as belas locações do interior do país, com estradas tão vazias que chegam a lembrar os primeiros Mad Max –, a extensão de Cargo, entretanto, acarreta na diminuição dos elementos que seu material de origem tinha de mais emblemático, provendo bem menos impacto e emoção como deveria com um desfecho há muito preparado entre os atos. Ainda assim, a mensagem que Howling e Rawke transmitem com o filme se faz relevante e universal em qualquer situação: não há mal maior do que a ganância e a suposta lei do "cada um por si" enquanto o amparo ainda pode ser uma opção viável.

Este texto foi escrito por Thiago Cardoso via nexperts.

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