Karim Aïnouz resgata melodrama em A Vida Invisível (crítica)

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Não é de hoje que Karim Aïnouz é um dos mais interessantes diretores brasileiros em atividade. Seu mais recente filme — o premiado em Cannes e pré-indicado brasileiro ao Oscar, A Vida Invisível, que estreia por aqui no próximo dia 21 — apenas confirma isso. Aïnouz é dono de uma filmografia consistente e poderosa, que inclui Desde Madame Satã (2002), seu primeiro longa, Praia do Futuro (2014), O Céu de Suely (2006) e Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo (2009), dirigido em parceria com Marcelo Gomes.


Um de seus temas recorrentes, presente em boa parte de sua obra, é o dos corpos que não aceitam sua própria condição, colocados em perspectiva diante do espaço em que habitam. Explico. Madame Satã era uma mulher trans na Lapa boêmia do Rio de Janeiro dos anos 30. Suely, do filme seguinte, rifa seu próprio corpo para sair do interior do Nordeste. Donato, de Praia do Futuro, é um salva-vidas gay que deixa o Nordeste para se libertar na fria Alemanha. Esses personagens não conseguem se limitar ao lugar em que vivem, ou mesmo em seus próprios corpos. É sempre preciso mais, ainda que a sociedade não permita.



Carol Duarte como Eurídice Gusmão. (Fonte: Bruno Machado/Divulgação)


A Vida Invisível não é diferente. Acompanhamos as vidas de duas irmãs: Guida e Eurídice Gusmão, interpretadas por Julia Stockler e Carol Duarte, respectivamente. A primeira é expulsa de casa quando aparece grávida, e a segunda precisa lidar com um casamento pouco afetuoso. Vemos, então, suas vidas separadas uma da outra, tendo de lidar com a violência estrutural, notadamente do masculino ao feminino — que é localizado no Rio de Janeiro da década de 1950, mas também existe hoje no dia a dia brasileiro.


Apesar de não ter cenas de tiroteio ou luta, A Vida Invisível é extremamente violento. As agressões, porém, são sociais, psicológicas ou afetivas. Acontecem quando uma personagem negra é impossibilitada de entrar em um restaurante, quando um pai rejeita a filha por ela estar grávida e sem pai, quando o marido presume que a mulher quer fazer sexo sempre que ele deseja, ou quando a possibilidade de ela ter uma carreira é considerada uma ofensa à família. Além disso, esses gestos de violência mantêm as irmãs separadas física e afetivamente.



Julia Stockler como Guida Gusmão. (Fonte: Bruno Machado/Divulgação)


Essa separação funciona em dois níveis. De um lado, é o reforço do discurso que o próprio filme apresenta: a violência do machismo é mais efetiva enquanto mantém as mulheres alienadas umas das outras. De outro, se coloca como o abraço que o Karim Aïnouz dá ao melodrama enquanto gênero narrativo. Ele mesmo vem usando o termo Melodrama Tropical para definir A Vida Invisível. Funciona. Afinal, a estrutura do amor que jamais vai se consumar, central para o gênero, é temperada com as cores e o calor carioca.


A Vida Invisível é isso. Na superfície, pode até parecer uma telenovela (formato que tradicionalmente abraça o melodrama no Brasil e, pelo que sabemos graças ao Silvio Santos, no México), mas propõe um jogo mais complexo, resgatando os filmes de Douglas Sirk, que usava gênero nos anos 50 para discutir coisa séria. Aïnouz, não custa lembrar, se formou em cinema pela Universidade de Nova York. Suas referências transitam tanto pela latinidade quanto pelo cinemão hollywoodiano. A mescla é bastante poderosa.


Este texto foi escrito por Luiz Gustavo Vilela Teixeira via nexperts.

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