Netflix: Destacamento Blood mostra Spike Lee reflexivo (Crítica)
Spike Lee é dono de uma carreira bastante desigual. Há um certo consenso de que a "Era Obama" havia retirado sua fúria interna, apresentando uma chama criativa (e, em diversos sentidos, bastante destrutiva) que nos rendeu trabalhos como Faça a Coisa Certa (1989) e Malcolm X (1992).
Os anos Trump, por outro lado, reacenderam esse furor. Primeiro com o potente Infiltrado na Klan (2018) e agora com Destacamento Blood (2020), que chegou ao catálogo da Netflix hoje (12).
O filme se volta às consequências da Guerra do Vietnã. Porém, como se trata de Lee, o olhar é um tanto mais amplo quanto agudo do que o de filmes como Rambo II – A Missão (1985) ou a série Braddock, com Chuck Norris – não por acaso ambas mencionadas pelos personagens. O diretor está, como sempre, interessado nas relações raciais, mas coloca os personagens negros em um lugar ainda inédito em sua carreira: o do opressor.
Destacamento Blood acompanha quatro veteranos de guerra que, décadas depois, retornam ao Vietnã para resgatar os restos mortais de um de seus companheiros e uma caixa cheia de barras de ouro que eles haviam escondido. O resultado é menos ação – apesar de boas cenas de batalha – e mais reflexão (sobre o que significa viver e morrer por uma ideia de nação).
Lee não economiza no discurso, abrindo com uma montagem que resume a história recente dos EUA, com o estabelecimento de um sistema de opressão para as minorias – negros, em particular –, bem como de prosperidade e bonança para os brancos. O diretor parece se perguntar, logo de cara, como o país que conseguiu mandar o homem à Lua é igualmente capaz de tratar seu semelhante como um escravo. Esqueça o idealismo de Estrelas Além do Tempo (2016).
Também está na montagem o discurso de Muhammad Ali quando se recusou a lutar no Vietnã, dizendo que não via o porquê, considerando que nenhum vietnamita jamais o havia ofendido. É a dica que Lee dá para o tom, já que os quatro ex-soldados retornam para um país profundamente traumatizado pela guerra – a “guerra americana”, dizem os nativos, com razão. Eles são negros acostumados a ser oprimidos. Agora, ao contrário, pela primeira vez, percebem-se como opressores. A constatação é brutal.
Entre os ex-combatentes está Paul, vivido por Delroy Lindo, que rouba todas as cenas. Ele encarna mais profundamente o discurso de Spike Lee, por isso merece destaque. O personagem é o que foi mais afetado pela guerra, carregando profundos traumas.
A contraparte em outros filmes sobre o Vietnã é evidente, desde O Franco Atirador (1978) até American Sniper (2014), passando pelo já citado Rambo. Ao contrário de outros diretores, Lee não está só interessado em como a guerra dos EUA reflete nele, mas sim a maneira que ela reflete no mundo todo.
Destacamento Blood talvez seja o mais “descolonizado” dos filmes de guerra, um gênero colonialista por excelência.
Paul é uma caricatura, claro. Negro que não apenas votou em Trump, como, de tão ressentido, usa o boné vermelho “make america great again” com orgulho. Essa é uma maneira de ressignificar a faixa vermelha de Rambo, que será passada para a frente de uma maneira pouco discreta.
O que Spike Lee parece defender é que o ódio e o racismo só perdem para o dinheiro como força motriz da sociedade.
Texto escrito por Luiz Gustavo Vilela Teixeira via Nexperts.
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