Vácuo: é possível criar algo a partir do nada?

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Câmara de vácuo usada para simulações astronômicas (Fonte da imagem: NASA)

Antes de tudo, uma notícia bombástica: quando a professora do Ensino Médio contou que nada existe no vácuo, ela estava simplificando essa informação por razões pedagógicas. Para o conteúdo ensinado em sala de aula, essa declaração é, normalmente, mais do que suficiente. Mas a verdade é que, como muitos outros assuntos abordados no colégio, esse também esconde segredos estudados em tópicos avançados da disciplina. Prova disso são os experimentos relatados no artigo “Vacuum Packed”, artigo publicado na revista New Scientist de 18 de fevereiro de 2012.

Apesar de não existir matéria alguma no vácuo, a Física Quântica leva em consideração o fato de que essas regiões contém uma quantidade mínima de energia, além de campos eletromagnéticos e gravitacionais. Portanto, o vácuo não pode ser considerado como totalmente vazio.

Além disso, nesses espaços há também a presença de partículas e anti-partículas que estão sendo formadas e destruídas o tempo todo. Essas “criaturazinhas” estranhas do zoológico quântico ― conhecidas como partículas (ou anti-partículas) virtuais ―, não podem ser detectadas individualmente. Porém, são capazes de produzir reações que podem ser medidas, como o efeito Casimir. Esse “pisca-pisca” de partículas é conhecido como flutuação quântica de vácuo.

Entendendo o efeito Casimir

Ondas no vácuo agindo sobre as placas metálicas do efeito Casimir (Fonte da imagem: Wikimedia Commons)

Em 1948, o físico neerlandês Hendrik Casimir tentava entender como os coloides existiam, ou seja, como se mantém equilibrada uma mistura em que um tipo de substância está dispersa em outra, como glóbulos de gordura na solução aquosa do leite, por exemplo. As forças entre as moléculas em um meio como esse caem mais rapidamente com a distância do que o cálculo tradicional, com base na força de van der Walls permitiria.

Para chegar a uma solução adequada ao problema, Casimir seguiu um conselho do físico cujos trabalhos foram fundamentais para a criação da Física Quântica, Niels Bohr: considerar a ação do vácuo existente entre as moléculas da mistura. Obviamente, calcular a flutuação de energia na estrutura molecular complexa de um coloide seria impossível. Por isso, Casimir propôs um modelo mais simples: duas placas metálicas perfeitamente alinhadas, flutuando no vácuo.

Como o vácuo está cheio de campos de ondas que contém energia, o cumprimento dessas ondas acaba sendo mais restrito entre as duas placas, fazendo com que menos partículas surjam nesse espaço. Como resultado, a densidade de energia entre as duas placas é menor do que no espaço aberto, isso cria uma diferença de pressão que empurra uma placa contra a outra.

Flutuação quântica visualizada no efeito Casimir (Fonte da imagem: Wikimedia Commons)

Essa força, porém, é muito pequena: duas placas separadas de 10 nanômetros sentem uma força comparável ao peso da atmosfera sobre as nossas cabeças. Dessa forma, é muito complicado comprovar a existência dessa força, já que ela pode ser alterada por forças muito maiores que agem sobre a mesma mistura.

Foi apenas em 1996 que Steven Lamoreaux, físico da Universidade de  Washington, nos Estados Unidos, conseguiu isolar, com muita precaução, todos os outros efeitos que pudessem estar agindo sobre a experiência e, dessa forma, encontrou uma minúscula força residual que agia sobre uma placa metálica e uma lente esférica, empurrando uma contra a outra. Dessa forma, parecia comprovado que a ação do vácuo era real.

A partir disso, outros experimentos muito intrigantes começaram a mudar o nosso conceito sobre o “nada”. Lamoreaux e sua equipe também confirmaram, por exemplo, que as flutuações quânticas de vácuo cresciam à medida que a temperatura aumentava. Mas feitos ainda mais intrigantes estavam por vir.

E que se faça a luz!

Representação artística do experimento que criou fótons a partir do vácuo (Fonte da imagem: Physorg)

Em novembro de 2011, cientistas da Universidade de Tecnologia Chalmers, na Suécia, resolveram usar as ideias do efeito Casimir de forma contrária, como proposta pelo físico americano Geral Moore em 1970: se pudéssemos mover dois espelhos rapidamente, um contra o outro, a flutuação quântica presente no espaço entre eles poderia ser esmagada de maneira tão violenta que sua energia seria liberada na forma de fótons. A teoria ficou conhecida como efeito Casimir dinâmico.

Na prática, mesmo um espelho muito pequeno não poderia ser movido tão rapidamente e, portanto, o físico Chris Wilson e sua equipe propuseram algumas alterações nas ideias de Moore para coloca-las e prática: eles usaram correntes elétricas que variavam rapidamente para simular o efeito de espelhos que pudessem ser acelerados a cerca de ¼ da velocidade da luz. O resultado foi o esperado: produção de pares de fótons que surgiram a partir do vácuo e que puderam ser medidos na forma de radiação de micro-ondas.

Mas assim como a existência do efeito Casimir, na época a experiência também foi rebatida por outros físicos, que não acreditam que o experimento tenha simulado, realmente, as ideias de Moore. Wilson se defende dizendo que a experiência foi realizada com toda a precaução e testes necessários, incluindo a prova de que eles partiam mesmo de um estado de vácuo. E, em entrevista para a revista New, aproveitou a situação e alfinetou seus rivais: “para algumas pessoas, o efeito Casimir dinâmico será sempre sobre um espelho de verdade se movendo raídamente”.

Igual ao efeito Casimir, só que ao contrário

Reversão do efeito Casimir poderia fornecer engrenagens sem atrito (Fonte da imagem: EETimes)

Outro experimento curioso foi realizado por Steven Johnson e seus colegas de Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Eles calcularam que o efeito Casimir poderia ser invertido, isso é, em vez de funcionar como uma espécie de cola para dois objetos de escala nanométrica, ele poderia ser usado para exercer uma pressão contrária, isso é, afastar um objeto do outro.

Para isso, os físicos alteraram o formato das placas metálicas, adicionando entre elas estruturas que lembram os dentes de um zíper. Isso, em teoria, tornaria repulsiva a força entre elas. Em um estudo mais recente conduzido na Universidade de Coimbra, em Portugal, os pesquisadores Stanislav Maslovski e Mário Silveirinha teorizaram um efeito similar ao usar “nanobastões” metálicos que criavam uma força repulsiva capaz de fazer levitar nanobarras de metal.

Na prática, esse efeito poderia, por exemplo, propiciar a criação de engrenagens e motores em escala nanométrica capazes de operar sem fricção entre as peças. Porém, colocar isso em prática envolveria o desenvolvimento de ferramentas novas, capazes de alinhar essas nanopeças de forma com que o vácuo existente entre os átomos dela não causasse flutuações quânticas que funcionassem em direções diferentes.

Vácuo e ceticismo científico

(Fonte da imagem: iStock)

Dessa forma, é possível deduzir que os experimentos realizados nos últimos anos têm dado mais credibilidade às teorias de décadas atrás, demonstrando que tanto as flutuações quânticas quanto o efeito Casimir são reais. Apesar disso, nem todos os físicos compraram essa ideia.

Muitos pesquisadores contrários à existência do efeito Casimir ou da flutuação quântica de vácuo alegam que esses temas têm se tornado populares porque a matemática por trás deles é bastante simples. Para Julian Schwinger, vencedor do prêmio Nobel de Física em 1965, esses efeitos acontecem por causa da interação quântica entre as cargas da matéria, não envolvendo o vácuo em si.

Pode ser também que a comprovação desses fenômenos seja uma espécie de paradoxo: nós só podemos comprovar a existência da energia do vácuo adicionando matéria dentro dele e, com isso, corremos o risco de deturpar os experimentos. Enquanto isso, Chris Wilson, que criou luz a partir do “nada”, espera que outros grupos de pesquisa possam comprovar os dados encontrados por sua equipe e dar um pouco mais de respaldo à possibilidade de certos fenômenos serem mesmo reais.

Por mais chato que seja o processo de comprovação, é esse ceticismo latente que torna a ciência tão confiável. No fundo, isso é até bom, pois pode render mais experimentos intrigantes como esses para relatarmos no futuro.

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