Erro 404: Como é uma entrevista de trabalho na NZN?

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Você já pensou em como seria trabalhar em uma empresa de tecnologia como a NZN? Muita gente acessa o TecMundo, o Baixaki, o Mega Curioso e o Baixaki Jogos e acha que seria sensacional trabalhar em um lugar como esse. Vagas disponíveis até existem, mas o processo seletivo pode não ser muito tradicional — pelo menos não para a maioria das pessoas.

Um dos funcionários da empresa decidiu contar como foi o seu primeiro contato com a NZN. Ele preferiu não se identificar, portanto será chamado apenas de “Pedro”.

A seguir, o seu depoimento.

Eu me chamo Pedro. Estou escrevendo esse texto para alertar outras pessoas que possam ter ficado iludidas com a possibilidade de trabalhar em uma empresa de tecnologia.

As novidades em primeira mão, os smartphones, os games de última geração, tudo isso acabou me seduzindo e transformando a minha vida. Desde o momento em que eu descobri que gostava de escrever e que podia tentar trabalhar na NZN, eu comecei a me preparar para uma oportunidade.

Por um bom tempo eu enviei currículos por email, carta, telegrama e até mesmo pessoalmente, mas infelizmente não obtive resposta. É claro, imaginei, muitas pessoas devem querer trabalhar lá. A pilha de currículos deve ser imensa.

A minha sorte foi ter conhecido um dos redatores da empresa em uma viagem. A feliz coincidência me ajudou: em duas semanas meu currículo foi selecionado e eu finalmente fui chamado para uma entrevista. Os dias que seguiram foram um misto de euforia, ansiedade e felicidade. Afinal de contas eu, um jovem de 21 anos e recém-formado na faculdade estava indo de encontro ao meu sonho.

A moça que telefonou para marcar a entrevista não disse se que tipo de roupas eu precisava usar na data, mas preferi pecar por excesso e coloquei terno e gravata, apenas para garantir.

Três horas antes da hora marcada eu já estava pronto. A camisa branca de gola engomada já grudava no corpo por causa do suor. A gravata apertando o pescoço mais parecia a corda de uma forca e eu um condenado a caminho da execução.

Quando entrei no prédio, mal podia acreditar: eu estava na recepção da NZN: o lugar onde eu sonhava trabalhar. Tudo muito bonito, ajeitado, uma decoração de muito bom gosto. Uma menina na recepção — que aparentava ter pouco mais de 18 anos — me recebeu à porta com um sorriso no rosto, me indicou a sala de espera e me ofereceu um copo de água.

Antes que eu pudesse recusar, reparei em outros jovens que também estavam lá esperando pela entrevista. Quando vi que todos estavam em trajes mais “normais”, fiquei ainda mais nervoso, já que eu era o único de terno. Nessa hora, um rapaz visivelmente transtornado levantou-se e veio em minha direção:

— Mais um? Mais um? Não acredito que tem mais um candidato a essa vaga! Eu vou embora daqui, eu não suporto mais isso. Essa tortura está corroendo a minha alma! — berrava o garoto enquanto corria desesperado para a porta arrancando a camisa e chutando os sapatos para longe.

Nesse momento todos os outros pareceram ignorar o que estava acontecendo, embora seus olhares fossem visivelmente de terror ao ver aquilo. Enquanto isso, a garota da recepção continuava sorrindo, calma, como se aquela não fosse a primeira vez. Era um sorriso tão largo que chegava a incomodar.

Pouco a pouco eu via os candidatos entrarem e saírem pela mesma porta. Alguns com olhar triste, outros eufóricos. Teve um que saiu em uma cadeira de rodas, desmaiado.

Até que chegou a minha vez, e a garota da recepção me chamou:

“Pedro, por favor entre naquela porta. Eles vão lhe atender”.

Atendi às instruções dela e entrei em uma sala completamente escura. Não dava para ver nada do que tinha lá dentro, até que a porta atrás de mim se fechou. Nesse momento as luzes se acenderam e pude ver à minha frente um corredor incrivelmente comprido, mas com uma esteira rolante igual aquelas encontradas em aeroportos e shoppings.

Subi na esteira e reparei nas paredes: o local era coberto de espelhos do chão ao teto. Uma cena incrivelmente bizarra e até mesmo assustadora. Tentei manter a calma e deixei a esteira me levar. Como ela se movia muito devagar, comecei a caminhar, só que, a cada passo que eu dava, parecia que estava mais longe do final. Apressei o passo e a esteira parecia acompanhar o meu esforço: quanto mais eu corria, mais perto do início eu ficava.

Olhei para trás em um impulso desesperado pensando em ir embora, mas não vi mais a porta. No lugar dela, apenas uma parede também coberta por espelhos.

Reparei que a esteira se movimentava junto comigo: se eu estava parado, ela estava parada. Se eu andava, ela andava também, só que para o lado oposto. Nessa hora, decidi caminhar de costas para ver o que aconteceria. Para minha surpresa, deu certo e eu consegui chegar ao final do corredor.

Na parede, apenas um botão vermelho: apertei e a porta se abriu, revelando outra sala escura. O jeito foi ligar a “lanterna” do celular para tentar ver onde eu estava.

Aproximei a luz do chão para ver em que eu estava pisando e vi alguns tijolos com musgo, algo que parecia ser muito velho. Subi a luz para a parede e era a mesma coisa. “Será que eu estou em uma masmorra?”, pensei.

Continuei usando a luz como um guia enquanto media os passos para não pisar em nada estranho. Andei por algum tempo sem saber para onde estava indo até que senti uma rajada de vento vindo de uma direção.

Não pensei duas vezes e resolvi seguir para esse lado: “Ali deve haver uma porta, pelo menos é assim nos filmes”, pensei. Dei alguns passos calculados meticulosamente e cheguei a uma cadeira. Uma placa ao lado dizia: sente-se. Hesitei por alguns instantes, mas resolvi obedecer. Nesse momento, as luzes acenderam.

O brilho forte e instantâneo me cegou por alguns momentos apenas até eu ver que não estava sozinho. Em uma mesa de reuniões logo à minha frente havia três pessoas sentadas: do lado esquerdo um homem com uma daquelas máscaras de cavalo; do lado direito a moça feliz da recepção e, no centro, um terceiro homem, de terno, aparentando meia idade, cabelos grisalhos e um bigode que cobria a boca inteira.

Ele estava visivelmente sem paciência sentado em uma cadeira que parecia um trono e era mais alta que as demais, mas que parecia ser o único objeto que combinava com aquela sala estranha.

Sua aparência intimidadora e rabugenta logo tomou mais forma quando ele ficou em pé apoiado na mesa e gritou:

— Senhor Pedro, o senhor é o senhor Pedro, não é mesmo?

— Sim, sou eu mesmo — respondi nervoso.

— Percebo que o senhor foi chamado por indicação, estou correto?

— Sim... Sim, senhor...

Nesse momento os olhos do homem ficaram vermelhos como fogo e era possível ver os pelos de seu bigode tremerem com a respiração ofegante.

— Eu estou vendo o seu currículo aqui e acabei de ver que o senhor não tem experiência anterior. O senhor nunca trabalhou antes, o senhor nunca fez nada da vida. Estou correto?

— Não, é que eu... Eu já ajudei meu pai no trabalho...

— O senhor está fazendo eu perder o meu tempo aqui, é isso? O SENHOR NÃO TEM CAPACIDADE PARA O TRABALHO E VEIO ATÉ AQUI FAZER O QUE, SENHOR PEDRO? EU TENHO CARA DE IDIOTA PARA PERDER TEMPO COM UM SER DESPREZÍVEL COMO O SENHOR? — berrou o homem, que nessa hora estava tão vermelho quanto seus olhos. As veias em sua testa pareciam ter vida própria de tanto que pulsavam.

Enquanto ele berrava, seus colegas continuavam imóveis, como se estivessem acostumados com a cena. Eu, por outro lado, estava encolhido na cadeira, completamente arrependido de ter entrado ali.

Nesse momento, o homem com a cabeça de cavalo falou, com uma voz muito calma:

— Bom dia Pedro, percebo que você gosta muito do nosso trabalho, é verdade?

— Sim senhor... Eu gosto... — respondi.

— Olha, é muito bom ouvir isso. Mas será que você está pronto para o que o futuro reserva para você? Eu acho que não. Ou está? Será mesmo? Não sei... Não parece —, dizia ele com a mão no queixo olhando para o alto, como se falasse sozinho.

Em seguida, as luzes se apagaram. Ouvi um barulho muito alto que não consegui identificar até que, depois de alguns instantes, elas acenderam novamente. Nesse momento eu estava cercado pelo que pareciam ser líderes de torcida, divididos entre homens e mulheres que dançavam e faziam acrobacias ao meu redor, jogando pompons para o alto e tudo. Em meio ao tumulto, aquela moça alegre surgiu e veio em minha direção:

— Oi Pedro!

— Olá... — respondi meio desconfiado.

— Você está nervoso? Não fique nervoso. Apenas concentre-se: por que você está aqui?

— Eu vim em busca de um emprego — respondi com a voz trêmula.

— Então me responda: o que você faria se só lhe restasse um dia? Se o mundo fosse acabar?

— Essa é uma música... Não é?

— Sim, e também é uma pergunta. Você sempre questiona tudo o que lhe pedem? — falou ela sem tirar aquele sorriso do rosto.

— Eu não sei, eu iria procurar minha família, iria ficar junto a eles.

— Ah! Então o senhor é desses que falta ao trabalho? Muito bom saber desde já.

— Não é assim, você disse que o mundo ia acabar, eu respondi o que faria... Eu não falto ao trabalho...

— Como não falta ao trabalho se você nunca trabalhou? O senhor é mentiroso e já teve outros empregos antes, é isso? Já pertenceu a algum concorrente nosso?

— Não, eu nunca trabalhei mesmo...

— Então é um preguiçoso que falta ao trabalho — concluiu a garota sem tirar aquele sorriso enorme do rosto.

A luz apagou e acendeu-se novamente. Os três continuaram me olhando fixamente sem dizer uma palavra por uns bons minutos. Foi um dos momentos mais desconfortáveis da minha vida, mas tive que aguentar.

Depois de algum tempo, o homem com cabeça de cavalo bateu palmas e uma garota muito bonita vestida como um personagem de video game aproximou-se de mim. Ela me entregou uma prancheta com algumas folhas de papel e um lápis. O homem levantou-se e falou, calmamente:

— Faça um desenho que mostre quem é você — e sentou-se novamente.

Eu não sou muito bom em desenhos. A vaga a qual me candidatei é para a redação, e não design. Mas, como eu estava ali, tentei rabiscar alguma coisa. O curioso é que apenas uma imagem vinha à minha mente: o personagem Link, do jogo The Legend of Zelda. Não pensei muito e comecei a desenhar, enquanto os três não desgrudavam os olhos de mim em momento algum.

A cada traço que eu fazia, podia ouvir grunhidos, risos ou “humpfs” vindo deles, como se reprovassem ou debochassem tudo o que eu fazia. Quando finalmente terminei, a mesma garota que me entregou a prancheta levou o desenho até eles. O homem cavalo respondeu:

— Ah, esse é aquele menino, o Zelda?

— Na verdade o nome dele é Link, Zelda é o jogo — respondi meio que sem pensar muito.

Nesse momento os três levantaram, viraram de costas, colocaram as mãos para o alto e começaram a bater palmas. O pessoal da torcida voltou e continuou com a dança enquanto fogos de artifício começaram a estourar no teto daquela sala que mais parecia uma masmorra. Confetes e papéis picados caíam do teto em cima de mim, que não entendia absolutamente nada do que estava acontecendo, até que os três falaram em coro:

— Parabéns, você foi contratado. Agora pode sair.

Levantei-me no susto, ao mesmo tempo feliz de ter passado na entrevista de emprego, mas também sem entender por que e com uma sensação estranha de que não sabia mais se deveria mesmo trabalhar ali, em meio àqueles lunáticos que neste momento gargalhavam enquanto suas cadeiras desciam e sumiam atrás da enorme mesa.

Quando abri a porta para sair estava na recepção novamente, nada de corredores com esteiras ou salas escuras. Os outros candidatos já não estavam mais presentes, mas a moça da recepção — que também estava na entrevista — já estava em sua mesa. Ela apenas despediu-se de mim, e eu fui embora.

Comecei a trabalhar na semana seguinte e, felizmente, já me acostumei com toda a insanidade do local. Aliás, eu acho que é justamente isso que me faz gostar cada vez mais de lá.

.....

Atenção: este artigo faz parte do quadro "Erro 404", publicado semanalmente no Baixaki e TecMundo com o objetivo de trazer um texto divertido aos leitores do site. Algumas das informações publicadas aqui são fictícias, ou seja, não correspondem à realidade.

Ilustrações por: André Tachibana

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