Estúdios indie brasileiros contam as dificuldades do mercado de games

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Caminhar pela Brasil Game Show com certeza é uma experiência fantástica para todos os gamers. Sony, Microsoft, Ubisoft e todas as outras empresas prontas para mostrar seus produtos ao faminto mercado nacional — quem não ficaria empolgado? No entanto, ao passar pelos corredores alvoroçados e fervendo de fãs, é possível notar uma coisa muito importante: em pleno crescimento do público, os estúdios brasileiros ainda são tímidos justamente onde, ironicamente, seria a maior oportunidade deles se apresentarem ao mercado global.

Em uma série de artigos no site Gamesindustry, o jornalista Matthew Handrahan passeou pelo maior evento nacional de games e contou sobre o mercado brasileiro e as suas particularidades. Os desenvolvedores independentes mereceram uma atenção especial: com interessantíssimas propostas, os estúdios daqui estão buscando cada vez mais atingir a fatia global dos jogadores de video game.

Um objetivo ambicioso, sem dúvida, mas que carrega muitas responsabilidades e desafios.

O representante da Devolver Digital, Andrew Parsons, comentou para o site sobre o principal obstáculo a ser superado no momento: reconhecimento. “Há estúdios que trabalham há cinco, seis ou sete anos e lançam jogos no Brasil, mas eles não conseguem alcançar o lado de fora do globo”, comentou o desenvolvedor.

“Para eles, isso parece impossível. Eles querem ir para fora, mas o status que eles têm na indústria em termos de desenvolvimento de games é quase nulo.”

“Para as publicadoras da América do Norte e na Europa, não é muito lucrativo investir dinheiro e divulgar um estúdio que não tenha esse histórico comprovado”, lamenta Parsons. Este distanciamento da indústria mundial é o que incomoda os desenvolvedores brasileiros e também a mídia especializada — pode observar quantos jogos nacionais foram apresentados na cobertura do BJ da Brasil Game Show 2014!

Investidores empolgados

A dificuldade também é reforçada pelo diretor do estúdio goiano Gameblox Interactive, Diego Leão. “Você precisa de um investidor que seja muito, mas muito empolgado com video games, porque esta é a mentalidade que você precisará para trabalhar bem com eles”, explicou o desenvolvedor.

“Mas não há muitos deles no Brasil. A jogatina aqui começou muito mais tarde que nos Estados Unidos, e os investidores geralmente são muito mais velhos do que os desenvolvedores e não tem esse contato com os games. Eles não cresceram jogando, e este é o maior problema”, detalhou Leão.

“Mesmo que eles queiram investir no seu jogo, é bem provável que eles queiram fazer isso de uma forma que vá quebrá-lo, ou que não seja suficiente — ou ainda que seja muito grande e o jogo terá que crescer muito mais do que o planejado”, explicou.

O estúdio de Leão foi o responsável pelo remake em HD de Pier Solar, feito em parceria com a desenvolvedora original WaterMelon e que arrecadou mais de US$ 230 mil no Kickstarter. O sucesso do financiamento deu acesso à imprensa internacional e uma atenção que os desenvolvedores nacionais até então nunca tinham alcançado.

O estúdio tem seus próprios planos agora, mas a falta de uma marca maior por trás do próximo projeto ou de investidores internacionais é o grande problema enfrentado por Leão e sua equipe para atingir a mídia global.

Problema estratégico

O co-fundador da Garage 227 Studios, Daniel Monastero, também compartilhou algumas opiniões com o Gameindustry — mas reforçou que o problema também pode ser a estratégia de divulgação.

O projeto inicial do estúdio foi Shiny, um dos primeiros jogos nacionais a usar a Unreal Engine 4. No entanto, o foco de Monastero e seus outros dois co-fundadores foi de trabalhar mais na companhia que no jogo nos seis meses iniciais.

“Nós fizemos uma pré-produção, mas nós entendemos que apenas fazer o jogo não é tão interessante para as pessoas que têm o dinheiro. Nestes primeiros meses, nós trabalhamos para mostrar a um investidor o que ele queria ver: onde, como, quando e como o dinheiro será aplicado, sem falar no quanto ele pode tirar disso tudo”, relatou o representante.

“No Brasil, muitos dos investidores não se importam com a arte. Eles também não se importam com o jogo, e esses seis meses nos ajudaram a entender melhor o ambiente. Depois de anos falhando na produção de games, nós entendemos que teríamos que ser capazes de vendê-los. Ele não pode ser uma reflexão posterior”, comentou Monastero.

“É como se estivéssemos vendendo pneus, ou parafusos, ou máquinas. Não importa. Alguns desenvolvedores independentes pensam que precisam ser artistas e fazer isso apenas para eles mesmos, e se você entrar no negócio você não será mais 'indie'. Bom, 'indie' é apenas uma etiqueta, ela não importa”, criticou.

Investimento do governo

Outra possibilidade que contorna a necessidade de investidores é o financiamento do governo. O jogo Toren, do estúdio nacional Swordtales, foi o pioneiro a levar o apoio da Lei de Incentivo à Cultura para o mundo dos games. “A indústria de games no Brasil estava crescendo muito rapidamente, e o governo viu isso e quis dar suporte”, comentou Vitor Severo Leães, fundador do estúdio.

O incentivo também marcou um importante passo para os desenvolvedores independentes. “As companhias brasileiras que geralmente dão suporte aos projetos culturais não entendem a tendência dos games”, relembrou ele para o Gamesindustry. “É um processo pioneiro. Eu acredito que ficará mais fácil com o decorrer dos anos, mas hoje ainda é muito difícil de conseguir o apoio.”

Soluções como parcerias também são alvos muito quentes para os estúdios. “Os desenvolvedores indie no Brasil querem fechar acordos com as publicadoras. É uma questão de sobrevivência”, relatou Leães. “Na Europa e nos Estados Unidos, ser independente é uma questão de idealismo, mas nós não temos essa opção aqui.”

“Se você quer trabalhar com games, você terá que ir para os indie, e também terá que procurar por suporte. A sensação de isolamento é muito real”, confessou o desenvolvedor. Segundo ele, na Europa há uma facilidade dos desenvolvedores trocarem contatos e experiências, mas o Brasil ainda está muito distante desse mercado que recebe o suporte das empresas.

Um distanciamento que é intensamente questionado. Leães finaliza olhando para as grandes empresas presentes na Brasil Game Show com um pensamento muito crítico e reflexivo: “elas estão aqui para fazer dinheiro. Elas querem nosso público, mas não os nossos games.”

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