Entrevista: Guilherme Lopes, a voz do Mr. Satan e o Rick de 'Trato Feito'

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O que o dono de uma casa de penhores, um ser minúsculo do fundo do mar e um brucutu de filmes de ação têm em comum? Normalmente, pouca coisa. No Brasil, entretanto, eles compartilham uma voz marcante, que chama a atenção e impõe respeito de imediato, mas também pode fazer você não tirar o sorriso do rosto. É o trabalho de Guilherme Lopes, ator, dublador e diretor com mais 30 anos de carreira e um currículo.

Conversamos com essa que é uma das lendas da dublagem nacional em uma entrevista bastante descontraída e cheia de dicas para quem sempre sonhou em entrar nesse mercado. Confira alguns dos trechos abaixo e veja também um pouco dos trabalhos de Lopes.

É curioso perceber, por exemplo, como ele considerava o dublador como um “anônimo” até pouco tempo. Quando começou a ir a eventos de fãs, entretanto, viu o carinho do espectador e ficou impressionado.

Principais trabalhos

  • Guile em "Street Fighter"
  • Jayme Heinemann em "Caçadores de Mitos"
  • Kenn'ya em "Shurato"
  • Aiacos de Garuda e Babel de Centauro em "Cavaleiros do Zodíaco"
  • Samuel L. Jackson em "Serpentes à Bordo", "Shaft", "1408" e outros
  • Dolph Lundgren em "O Homem da Guerra" (Globo), "Soldado Universal 3: Regeneração", "O Justiceiro" e outros
  • Laurence Fishburne em "A Caçada", "Matrix" (VHS), "Homens Perigosos" e "A Morte e a Vida de Bobby Z"
  • Chuck Norris em "O Homem do Presidente II" e "Resgate de Risco"
  • Harrison Ford em "K-19: The Widowmaker" e "Conexão Perigosa"
  • Mickey Rourke em "O Lutador" e "13: O Jogador"
  • Arnold Schwarzenegger em "O Garoto e Eu"
  • Nappa, Rikum, Mr. Satan e Rei Vegeta em "Dragon Ball Z"
  • Ratso em "As Aventuras de Jackie Chan"
  • Garganta e Torcicolo  da MTV
  • Plankton em "Bob Esponja"
  • Barbárvore em "O Senhor dos Anéis: As Duas Torres" e "O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei"
  • Rick Harrison em "Trato Feito"

Como você chegou nesse nível absurdo de sucesso?

O sucesso eu sempre acho que eu não tenho. Quando você olha pra trás, você vê e fez tudo isso em 30 anos. Acho que fui plantando isso a vida inteira e foi dando resultados.  O que acontece no meu caso é dedicação. Quando você faz o que gosta, com amor, vontade, fome, é sempre legal. Se você tem prazer e está se realizando fazendo aquilo, com certeza quem assiste também tem prazer.

É um estado de fluxo. Não vira trabalho, eu até brinco falando "Gente, eu tô ganhando pra fazer isso?". Mesmo que seja uma participação pequenininha, meu prazer de estar executando a minha “partitura” é tão grande que já é o meu prêmio.

O mercado de dublagem no Brasil está muito centralizado? Como é a qualidade em geral?

Com as TVs e o enorme número de emissoras, existe uma demanda muito grande. O mercado é aquecido e precisa de estúdios capacitados para fazer um bom trabalho. Está centralizado em Rio-São Paulo, mas o natural é que isso se expanda. Já temos trabalhos em Brasília, alguns em Campinas... A gente tem que se preparar pro que vem aí, as TVs já perceberam que dublagem dá audiência. Não tem mais como retroceder, vai daqui pra mais.

O ator e dublador é a última parte do processo, não é?

Sempre achei que o diretor do filme tem que escalar o elenco. Se eu não fizer isso, eu me recuso a dirigir. Tem uma moda agora, contratar uma pessoa “X” pra contratar os atores. Aí escalam um cara que não tá pronto pra um papel dificílimo. Fazer, por exemplo, um monstro que, em vez de falar e gritar, sussurra.

A tradução boa é fundamental. (...) Aí alguém bota na boca do cara do Brooklyn a mesma linguagem do cara do Shakespeare! Você não consegue fazer dublagem com uma tradução capenga. E, quando vai ver o filme, você vai achar que o trabalho ruim é do ator, não do tradutor.

Ontem mesmo mandamos uma frase de um personagem (que eu não vou citar) que era solta. Não veio nem a imagem, só um pedaço do áudio. Eu falei “Cara, e aí? Vamos fazer, né”, imaginando como é o personagem, mas perdido.

Você já dublou muita gente. Qual você mais gosta?

Adoro o Rick Harrison. Ele é muito bem humorado, fala do que entende, do que domina, tipo historia. Ele é nerd mesmo. O mais importante é estar o tempo inteiro rindo, aí você entra naquela vibe dele e fica prazeroso dublar. Tem episodio que eu já não vejo a imagem, saio fazendo porque conheço o tempo dele de respirar, sei quando vai parar e rir. Vai quase que na intuição, é muito doido isso. Mas não dá pra brincar muito disso, não, porque pode errar. Só que sai espontâneo, fica mais natural, soltinho.

Você fez alguns personagens de jogos. Você gostou?

Gosto muito de games, meu filho tá se formando agora como game designer, é viciado e tudo o que eu faço ele que é o meu critico. [Sobre a escolha de famosos], eu acho que às vezes os critérios são equivocados, botar o nome da pessoa acima da capacitação... Não sei se tiveram uma venda tão maior de jogos [no caso de Mortal Kombat X].

O artista é convidado pelo estúdio, geralmente pelo dono do game, que quer usar o nome do artista pra alavancar venda. Isso é normal, faz pare do mundo. Mas, se você prioriza só o nome sem saber se a pessoa da conta do recado...

Você gosta muito de dublagens de fãs?

É, um menino de fandub me mandou um link no Facebook, fui abrindo e eles fazem um desenho inteiro! Eles dublam e existe um universo paralelo que eu não imaginava que existia, fiquei abismado. Às vezes dá até medo, nem eu me lembro de algumas coisas que eu fiz e eles sabem, você começa a olhar, acha que tá numa pegadinha.

Dicas

“Quando você percebe que o filme não é dublado é que ele tá muito bem dublado. Fica combinando tão bem com expressão e interpretação do ator que passa batido. Algumas vezes eu tive essa alegria de assistir a um filme assim. Se não, você fica o tempo todo “brigando” com a dublagem”

“Como a dublagem e difícil, ela requer treino e prática. Tem as regras básicas que você não pode infringir. Não e a minha respiração ou a minha fala, é a do ator. Um Rick, por exemplo: naquela pegada que ele dá, ele tem uma voz mais velha que a minha, é muito engraçado isso. Aí você pega um Samuel L. Jackson, que são opostos, e você vê que é a mesma voz, mas personalidades completamente diferentes. Aprender a ouvir muito bem pra poder reproduzir é muito importante”.

Curso

Lopes quer transformar Curitiba em outro polo brasileiro de dublagem, para abrir mais opções de mercado além de Rio de Janeiro e São Paulo. Por isso, vagas para o curso na capital paranaense ainda estão abertas. São 40 horas e ainda é possível participar nas turmas das sextas-feiras pela manhã ou tarde.

O curso de técnica de dublagem tem pretensão de ensinar como funciona o trabalho, como fazer bem feito e o que não fazer. A ideia é dar a iniciação para esse universo, inclusive pra quem nao é profissional. Clique aqui para se informar e fazer a inscrição pelo site da produtora Canja Audio Culture.

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