A história da Motorola: ascensões e quedas [vídeo]

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Este artigo foi publicado originalmente em setembro de 2014. Ele foi atualizado com novas informações e com o vídeo acima produzido pelo TecMundo.

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Tecnologia, negócios e comportamento sob um olhar crítico.

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Icônica no campo da tecnologia, a Motorola é uma empresa com um histórico que impressiona. Ela já atuou em diversos segmentos, desde sua fundação até os dias de hoje, se destacando por trazer ao mercado os primeiros telefones celulares. Porém, falar sobre a Motorola é falar sobre uma história de altos e baixos.

Em 2011, por exemplo, a empresa informou que havia enviado para as lojas 6,5 milhões de seus aparelhos no primeiro trimestre do ano, mais de 61% de acréscimo sobre a quantidade do mesmo período em 2010. O que não foi mencionado é que esses números representavam apenas 2% do mercado mundial de celulares, uma fatia ínfima quando nos referimos a uma marca que já foi líder na área.

Louros do passado

A Motorola Mobility perdeu cerca de US$ 198 milhões no primeiro trimestre de 2014. Isso, somado ao prejuízo gerado desde que a Google assumiu a sua direção, acumularia mais de US$ 1 bilhão em perdas, sem contar os 17 mil funcionários demitidos. O destino inevitável foi a venda por US$ 2,9 bilhões para a Lenovo.

Vê-la ameaçada por empresas recém-iniciadas no mercado, sofrendo uma cisão e, em seguida, sendo vendida para uma companhia chinesa, é algo que seria impensável há 20 anos, principalmente porque a própria Motorola foi uma das pioneiras a investir na China, vendo potencial ali muito antes de outras gigantes da indústria.

A revista americana Chicago fez um extenso trabalho de pesquisa e entrevistas com várias das peças-chave que já passaram pela empresa, descrevendo toda a trajetória da Motorola em um artigo e descobrindo que seus problemas começaram quando a competição interna saiu de controle. O que você vê a seguir são os momentos mais importantes dessa história.

Um negócio de família

Pouco antes da Grande Depressão, em 1928, o ex-estudante de Harvard Paul Galvin começou a Galvin Manufacturing Corporation, que viria mais tarde a se chamar Motorola. Apenas dois anos após sua fundação, a firma teve seu primeiro sucesso, com a comercialização de aparelhos de rádio para carros, que se destacavam por transmitirem um som mais limpo, sem interferência estática.

Contudo, o trabalho primordial da Motorola estava em tecnologias e dispositivos vendidos para terceiros. Nessa época, os terceiros eram essencialmente empresas de segurança pública e defesa: rádios usados pela polícia, sistemas de rádio por micro-ondas para defesa civil e até walkie-talkies usados por soldados durante a Segunda Guerra.

A filosofia da empresa se baseou por muito tempo em uma cultura de fazer coisas arriscadas, e isso incluía decisões de investimento, treinamento e desenvolvimento de novos produtos. Chris Galvin, neto de Paul que veio a comandar a empresa de 1997 a 2004, disse uma vez que “o sucesso da companhia nasceu de suas falhas”.

Paul Galvin (à esquerda) e o filho Bob Galvin (à direita)

A tragédia e o visionário Bob Galvin

Entretanto, as coisas tomaram um rumo diferente em 1942. Quando a mulher de Paul, Lilian, foi assassinada por um intruso em sua casa — crime até hoje não solucionado —, os Galvin tornaram sua empresa de família um negócio público.

O filho de Paul, Bob Galvin, veio a assumir a presidência da companhia em 1959. Dessa data até 1990, ele fez da Motorola, que era avaliada em US$ 290 milhões, uma das 50 maiores marcas dos Estados Unidos, passando a valer US$ 11 bilhões.

Bob foi visionário ao perceber que a China um dia seria uma potência maior que o Japão. Então, enquanto estava entediado em uma cerimônia no país, no início dos anos 80, Bob ousadamente virou para o ministro das ferrovias e perguntou se ele estava satisfeito com seu trabalho normal ou se preferiria fazer da China uma sociedade de primeira classe.

Se a Motorola foi para a China, foi por insistência de Bob, que quis levar a melhor tecnologia para o país, fazendo com que as fábricas produzissem nos mais altos padrões existentes. A empresa ajudou a China a construir suas linhas de comunicação e fez mais pela nação oriental do que qualquer outra companhia estrangeira.

Bob Galvin cumprimenta o presidente chinês Jiang Zemin em abril de 1997, em Pequim

O primeiro celular e a competição interna negativa

Orlando Wilson, que foi chefe de polícia de Chicago nos anos 60, fez um pedido que mudaria a história da Motorola. Wilson queria que seus policiais saíssem do carro, mas precisava que eles permanecessem conectados com a central e com as outras patrulhas.

Um telefone portátil que funcionava em uma rede sem fio foi desenvolvido para esse fim em 1967 por Martin Cooper, engenheiro elétrico da empresa. Bob Galvin então percebeu o potencial da invenção e investiu US$ 100 milhões para o desenvolvimento de um aparelho semelhante que pudesse ser usado por civis. Em 1973, Cooper fez a primeira ligação usando um aparelho celular (Dynatac) para um rival na Bell Labs, da AT&T.

Infelizmente, o efeito colateral foi a introdução da competição interna na Motorola. Os funcionários da divisão de segurança viam quem trabalhava na divisão de celulares enriquecer de forma inimaginável. Carros luxuosos recém-comprados e as festas extravagantes azedaram a relação entre os departamentos, que recebiam recompensas bem diferentes, criando um clima de hostilidade que às vezes resultava em gritos e brigas pelos corredores.

Analógico vs. Digital

Mesmo a Motorola sendo uma das primeiras a desenvolver tecnologia digital de celular — que, inclusive, gerava para ela lucrativos licenciamentos da patente —, a divisão de telefones móveis da empresa não teve pressa em abandonar o conceito analógico e mudar para o mais moderno.

Nos anos 90, os próprios funcionários, em sua maioria, usavam celulares digitais da Qualcomm, uma das maiores adversárias da Motorola na área de telefonia. “Não havia nenhum celular Motorola no prédio”, diz Mike DiNanno, ex-gestor de vários departamentos da companhia de 1984 a 2003.

Demorou um pouco para que o prejuízo viesse, já que, em 1994, a Motorola subiu para o 23º lugar na lista das 500 companhias mais ricas dos Estados Unidos — 60% dos celulares vendidos no país eram da marca. Porém, quando ele veio, a pancada foi grande.

Sua rival, a Nokia, havia feito a transição para o digital e não demorou muito para passar a Motorola, tornando-se a maior fabricante de celulares do mundo, além de assumir o papel de poderosa concorrente na construção de redes. Pelos 15 anos seguintes, a Nokia permaneceu invicta como maior fabricante de telefones móveis.

Todo mundo odeia o Chris

Bob Galvin fez um investimento bilionário, tornando-se patrocinador do sistema do satélite Iridium nos anos 80, visando a uma cobertura global, naquela época inexistente nas redes de telefonia celular. Entretanto, quando tudo ficou pronto e operável no fim dos anos 90, era inviável a popularização dos aparelhos de US$ 3 mil, com ligações a US$ 7 o minuto. A Iridium então declarou falência em 1999.

A crise de tecnologia e telefonia iniciada em 2000 trouxe grandes danos às ações da Motorola. Tudo piorou com os ataques ao World Trade Center no ano seguinte e a epidemia chinesa de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) de 2002, que causaram quedas nas vendas e interromperam cadeias de fornecimento internacionais. As perdas foram de quase US$ 4 bilhões, e 56 mil funcionários da companhia foram demitidos.

Chris Galvin, filho de Bob, comandou a Motorola de 1997 a 2003, uma de suas piores fases. Ele depositou suas esperanças no desenvolvimento de um celular digital promissor, o Razr V3, mas, infelizmente, não estava no cargo para ver seu sucesso. Chris foi deposto pelo conselho da empresa e, após sua saída, a família Galvin decidiu vender sua parte da companhia, que valia US$ 720 milhões, no final de 2003.

O fenômeno iPhone

Como uma brincadeira de mau gosto do destino, três meses após a saída de Chris Galvin, o V3 começou a ser um estrondoso sucesso, vendendo 50 milhões de unidades em seus dois primeiros anos e virando o jogo para a Motorola. O presidente que celebrava no lugar de Chris era Ed Zander.

Porém, quando Steve Jobs trouxe o primeiro iPhone, a companhia de Zander ainda estava investindo nas várias versões do V3. Obviamente, com o tempo o lucro passou a diminuir. Analistas chegaram a calcular em certo momento que a empresa estava fazendo apenas US$ 5 por aparelho. Zander disse que via o advento do smartphone se aproximar, mas que não tinha pessoal para entender seu software.

Em 2008, Greg Brown e Sanjay Jha dividiam a liderança da Motorola. Cerca de 60 gestores trabalhavam naquela época em diferentes modelos de celulares, algo que contrastava totalmente com a política da Apple, que se concentrava em um único aparelho. Jha viu que a saída para competir com a Maçã era criar um produto para a Verizon, operadora concorrente da AT&T, vendedora exclusiva do iPhone.

Não era o Droid que estávamos procurando

Iqbal Arshad, importante engenheiro na companhia, preparou uma apresentação para os executivos em que sugeria o desenvolvimento de um celular que suportasse o Android, novo sistema operacional da Google. Alguém disse a ele que era loucura trocar o Windows Mobile pelo Android, e que a Microsoft tinha um dos softwares mais poderosos do mundo.

O conselho da Motorola tinha então duas opções: ir a favor da recomendação de Jha e Arshad ou encerrar para sempre seus negócios no ramo de telefonia celular. Após uma votação de resultado positivo, Arshad escolheu a dedo 200 engenheiros de seu time para trabalhar junto ao time da Google, liderado por Andy Rubin, criador do Android.

O novo aparelho chamado Droid chegou às lojas em outubro de 2009 e, na temporada de natal, vendeu mais do que iPhone naquele ano. Ao final de 2010, após quatro anos de prejuízos, a divisão de celulares estava finalmente dando lucro de novo.

A má notícia é que o Droid não foi nenhum produto revolucionário. A Motorola mostrou ao mundo como fazer um bom smartphone Android, algo que vários rivais antigos da companhia — especialmente a Samsung — aproveitaram para captar conceitos e os aplicaram para voltar a esse mercado. Em janeiro de 2011, a Motorola sofreu uma cisão, dividindo-se em Motorola Mobility e Motorola Solutions.

Android Puro e Lenovo

O novo engenheiro de software da empresa, Steve Horowitz, havia trabalhado no Android original e achava que os sistemas, com suas interfaces de usuário, eram customizados demais. “Eu conheci o Android e o time que o construiu, e eles fizeram um código muito bom. Eu queria voltar ao Android puro”, explicou Horowitz. Em agosto de 2013, o Moto X fazia sua aparição oficial: o primeiro celular Motorola desenvolvido enquanto a Google possuía a empresa.

O Moto X e também o Moto G — a versão mais barata do Moto X e talvez o melhor celular intermediário do mercado atualmente — venderam muito bem, principalmente no Brasil e na Índia, mas a empresa ainda estava perdendo dinheiro. Isso levou à decisão de Larry Page de vender a Mobility para a Lenovo, a maior fabricante de computadores do mundo.

A Lenovo não começou com o pé direito a relação com a Motorola: em 2016, surgiu a informação de que a marca poderia deixar de ser utilizada, o que enfureceu os fãs e levou a fabricante a recuar da decisão. Atualmente, as marcas Moto ainda são mais celebradas mundialmente — e deram a volta por cima, sendo mais utilizadas até do que o nome da dona.

Smartphones como a família Moto Z e seus módulos (bateria, alto-falante e até projetor) conquistaram boa parte do público e apagaram parte da desconfiança da comunidade em relação à aquisição, mas a Motorola precisa continuar se provando. Experiência e histórico ela já tem de sobra: sem os pioneirismos da fabricante, você talvez nem teria um celular como o que está no seu bolso ou na sua mão neste exato momento.

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Fontes

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