A história da Telefunken, a vovó alemã especialista em TVs [vídeo]

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A história da tecnologia dessa semana é de uma empresa alemã clássica e que era muito adorada décadas atrás aqui no Brasil. Estamos falando da Telefunken, um nome que você já pode ter visto por aí em televisores, rádios ou aparelhos de som antigos, mas saiba que ela é bem mais que isso.

Você vai saber como surgiu essa companhia, por que ela é tão respeitada tanto aqui no Brasil quanto lá fora e por onde anda essa fabricante tão lendária. Curtiu o conteúdo? Então não se esqueça de assinar o canal do TecMundo no YouTube. Confira também os capítulos anteriores da série de História da Tecnologia para saber se aquela sua companhia favorita já não figurou por aqui.

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Nascida de uma trégua

A Telefunken foi fundada em 27 de maio de 1903 em Berlim, na Alemanha. A origem é curiosa porque foi graças a uma briga. Duas gigantes nacionais estavam disputando patentes e pesquisas de tecnologia sem fio: a Siemens & Halske, que já teve a história contada aqui, e o setor de rádio e telegrafia da AEG.

Para acabar com isso, entrou na disputa ninguém menos que o kaiser Guilherme Segundo. Ele era admirador e patrocinador das ciências e decidiu que a solução era um aperto de mãos entre os dois lados e a formação de um empreendimento conjunto. Nascia aí a Gesellschaft für drahtlose Telegraphen, ou Telefunken, que era a abreviação do endereço telegráfico da fabricante. O nome menor pegou com o tempo.

A palavra mistura tele, que é latim pra "distância", e funken, alemão pra "faísca". É algo como "fazer alguma coisa distante acontecer a partir de uma faísca". Isso acabou sendo incorporado até na logo da marca.

Primeiros passos

O primeiro diretor técnico da empresa conjunta foi Georg Graf von Arco, e no começo ela focou em pesquisas e contatos militares ou governamentais. Esse conhecimento técnico fez com que ela virasse a maior especialista da Europa em rádio. Em 1908, por exemplo, ela cria um dos primeiros sistemas de navegação via rádio do mundo, usado por Zepelins. A empresa também pesquisa tecnologias de radar usadas já na Primeira Guerra Mundial.

Só em 1923 que a Telefunken se volta pro consumidor e começa a lançar transmissores e rádios pras casas.

O ano de 1928 é marcado por avanços. Foi nele que a Telefunken apresenta um televisor experimental em uma feira, além do amplificador V-41, um dos primeiros de dois estágios e alta definição. Em 32, ela começa a fazer válvulas e tubos a vácuo pra equipamentos e se destaca por bolar estruturas inéditas, os chamados hexodos. Ela ainda começa a trabalhar em sistemas de pouso de aeronaves por instrumentos que viram indispensáveis na Alemanha. Já em 35, saem os primeiros gravadores de voz da Telefunken sob a linha Magnetophon.

Um gravador de voz.

Agora a gente vai falar de uma pessoa importante na história não só da Telefunken, mas de toda a televisão. É o professor e engenheiro Walter Bruch, que trabalhava nos laboratórios da empresa. Em 36, ele cria uma câmera especial e revolucionária pra filmagens exibidas na televisão. Ela estreia na cobertura ao vivo dos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim. Mas a sua maior contribuição viria um pouco mais tarde.

E é outro funcionário da Telefunken, o Fritz Schroter, que desenvolve o sistema de exploração entrelaçada nos televisores. É essa tecnologia que forma a imagem primeiro por linhas ímpares e depois as pares, tendo como resultado a tela completa.

Voando baixo

No começo dos anos 40, ela já é líder em eletrônicos de comunicação na Europa, com o status durando até depois da Segunda Guerra, já com 40 mil funcionários. Ela contribuiu com a Luftwaffe, o setor aéreo da Alemanha Nazista, inclusive fornecendo tecnologias de radar Knickebein pra identificar alvos com precisão. O fim do conflito complicou a marca, que teve que mudar fabricas de lugar por causa de bombardeios.

Nesse período, a Siemens sai da parceria e vende a parte dela pra AEG. Só em 55 a Telefunken vira uma subsidiária separada, mas isso dura pouco: em 67, ela se funde com a própria fundadora e vira a AEG-Telefunken. Mesmo com todas as dificuldades, a primeira metade do século é a era de ouro da Telefunken, com um sucesso atrás do outro.

A logo da Telefunken.

O microfone U47 vira um fenômeno em 1947, e em 50 sai o Teleport 1, primeiro rádio portátil da empresa. Tem ainda a fundação da gravadora Teldec, união entre Telefunken e Decca. Ela foi uma das maiores em produção de discos de vinil e existe até hoje no conglomerado da Warner.

Um amplificador.Dois V72 em um amplificador.

O amplificador V-72 também nasceu no período. Ele foi usado em estúdios e estações de rádio por décadas, famoso inclusive por ser utilizado nas primeiras gravações dos Beatles. E em 51 ela começa a entrar em uma das suas principais indústrias. É que sai a primeira televisão da marca, a Type FE 8. Por fim, em 1958 sai outro microfone de sucesso, o ELA M 251.

PAL

Agora sim a gente vai pra grande revolução da Telefunken em televisores: em 1962, é inventada a codificação analógica de cores PAL, ou Linha de Fase Alternada, em tradução pro português. O responsável é o Walter Bruch, que a gente citou antes. Naquela época, o sistema mais adotado de transmissão a cores era o NTSC, da norte-americana RCA.

Walter Bruch e equipamentos.Walter Bruch e seu equipamento.

Só que ele já era considerado ultrapassado, não lia bem tonalidades diferentes de uma mesma cor, transmitia as cores básicas de forma separada, exigia uma configuração complexa no televisor e volta e meia exibia os chamados fantasmas, aquelas vibrações no sinal. O padrão trazia imagens mais estáveis e de maior qualidade, e logo foi adotado em várias partes da Europa.

O mouse alemão

Anos antes, a Telefunken começa a investir em computação. Ela abriu uma fábrica de semicondutores e lançou computadores, que na época eram aquelas centrais que ocupavam um cômodo inteiro. O pioneiro foi o TR-4, que por um tempo foi o mais rápido da Europa.

Um mouse antigo.

E a Telefunken tá diretamente ligada com a história do mouse, que a gente já contou por aqui. Em 68, semanas antes da primeira demonstração pública do primeiro mouse do mundo nos Estados Unidos, a Telefunken apresentou uma “esfera rolante” que movia um cursor em uma tela. O Rollkugel era um periférico opcional do TR440, sucessor do TR4. Ele foi usado em universidades, e foi considerado o primeiro “pai do mouse” comercializado.

A crise começa

Em 75, a Telefunken resolve entrar no concorrido mercado dos formatos de vídeo com o Television Electronic Disc, ou TeD. Os discos flexíveis de 8 polegadas eram de alumínio e só aguentavam 10 minutos de programação a cores. Ele não teve chances na indústria: três anos depois, a Telefunken reconheceu a derrota abandonando o formato e adotando o VHS.

Um aparelho antigo.Uma das poucas versões existentes que rodavam TeD.

Em 1972, a divisão de rádio e TV da Telefunken vira uma empresa separada. Esse é um indício de que ela não vai bem, mas o nome é forte e ela continua fornecendo sistemas de rádio e comunicação ao redor do mundo, além de criar o sistema de redução de ruído High Com.

Após vender várias divisões pra sobreviver, em 1985 e numa crise sem fim, a AEG-Telefunken é comprada pela gigante alemã Daimler-Benz. A nova dona tira o nome Telefunken de setores em que ela não era forte, como informática, deixando ela em áudio, comunicação sem fio e TVs. A divisão de comunicação móvel da AEG é a que mais rende frutos, pois foi incorporada e virou parte da Nokia. Já a de sistemas de transmissão AM e FM vira anos depois a Transradio.

O retorno não tão triunfal assim

Pouca coisa merece destaque nos anos seguintes, e em setembro de 1996 a marca é oficialmente encerrada. O tempo passa e só em 2007 a Telefunken começa a voltar à vida. Ela tem os direitos adquiridos pela Live Holding, uma investidora alemã que tenta essa volta ao mercado pegando pela nostalgia. O retorno é oficializado em 2009 e dura até hoje como Telefunken Licenses, uma empresa que basicamente aluga o seu nome e legado pra quem quiser lançar alguma coisa sob essa marca tão lendária.

Um estande em uma feira.

Atualmente, ela tem uma grande aliança de parceiros pra eletrônicos e outros produtos. São 35 marcas que lançam produtos sob o nome da Telefunken em 120 países, todas com aquela logo clássica e chamativa. O Brasil infelizmente não é uma dessas nações.

Nos Estados Unidos, a licença é um pouco diferente e já existe desde 2000. A marca de lá até mudou o nome para Telefunken Elektroakustik e se especializou em áudio e componentes, lançando fones de ouvido e microfones, incluindo relançamentos de alguns sucessos da marca original.

Microfones.

Nosso último contato aqui do TecMundo com a Telefunken foi durante a IFA 2017, lá em Berlin. O estande da marca era bem chamativo, grande e variado. Televisores modernos, finos e de tela gigante feitos por parceiras que licenciaram o nome continuaram o legado da fabricante no segmento, mas agora ela tinha até bicicletas no catálogo.

Nada de 7 a 1

Mas vamos falar de Brasil! É difícil precisar quando a marca chega aqui, mas equipamentos de telegrafia do Brasil na década de 1910 já tinham o dedo da Telefunken. Por duas décadas, a Siemens-Shuckert foi a representante da Telefunken na venda e assistência técnica de rádios.

Um carro antigo.

A filial oficial só veio no fim da década de 40. Durante a Segunda Guerra, o governo Getúlio Vargas confiscou bens alemães e só renegociou o devolvimento depois do conflito. Isso incluiu a AEG, que finalmente podia voltar a investir por aqui. No fim dos anos 40, Felix Ewald, um dos diretores da Telefunken Internacional, vem ao Brasil pra abrir a divisão local. Ela se chamaria Brasilfunken no começo, mas logo virou Telefunken do Brasil. O Ewald pediu demissão quando foi chamado de volta pra Alemanha e recusou. Ele abriu outra marca de eletrônicos, a Bravox.

A Telefunken foi bem no Brasil por não ser tão cara, e era quase tudo de fabricação nacional. Foram tantos modelos lançados e feitos por aqui que é difícil citar tudo. Mas entre rádios dá pra destacar o Mignon, de 1950. Ele era menor que os tradicionais e esquentava bastante na traseira. Nessa época, chegou também o importado Alegretto, que funcionava por válvula e era feito de baquelite, além do Largo, todo de madeira.

Um rádio antigo.O modelo "Mignon".

Em televisores, a Telefunken lançou modelos de vários tamanhos, e se beneficiava bastante das épocas de Copa do Mundo nas vendas. A principal linha era a Palcolor, por causa do sistema de cor. Já em 1968 ela apresenta um produto bem curioso.

É um televisor chamado de “o Pacificador” que parece título de filme de ação Norris, mas é um aparelho portátil e individual de TV. A ideia era acabar com as brigas das famílias, já que cada pessoa queria assistir uma coisa. A tela tinha 41 centimetros e o corpo era todo de madeira.

Um anúncio antigo.

A primeira transmissão a cores do Brasil foi em 19 de fevereiro de 1972, na cidade gaúcha de Caxias do Sul, durante a Festa da Uva. O sistema era o PAL-M baseado no da Telefunken, e só foi adotado depois de estudos na Universidade de São Paulo encomendados pelo governo.

Os primeiros testes foram feitos já durante o tricampeonato mundial do Brasil na copa de 70 pela Embratel e quase vieram com o padrão NTSC.

Vale lembrar que câmeras e televisores a cores eram bem mais caros, e aí era preciso ter certeza de qual era o melhor formato.

O aparelho de som Hi Fi Compact 2001, o tape deck TC400, a vitrola Liftomat Sm e a vitrola portátil Batuque são só alguns dos mais lembrados no setor de áudio, e ela apostou também bastante em modelos 3 em 1, como o Stereo Center, especialmente nos anos 70.

Um sistema de som antigo,O Stereo Center.

Em 1989, a divisão brasileira da Telefunken é comprada pela Gradiente, clássica da tecnologia nacional que já teve a história contada por aqui. Foi bom pros dois lados: a marca alemã queria se desfazer do negócio por causa da crise geral e a brasileira precisava de mão de obra, fábrica, conhecimento e legado em TVs pra melhorar nesse mercado.

Só que não deu tão certo assim, porque as vendas da Telefunken já estavam baixas. Como resultado, a nova dona descontinuou a marca pra manter a estrutura, e lançar modelos só como Gradiente.

...

Esse foi o fim da Telefunken no Brasil, mas os produtos dela continuaram nas casas dos brasileiros por muitos anos. É bem comum você visitar a casa dos pais ou avós e encontrar lá uma TV da Telefunken num canto, depois de ter funcionado por décadas sem parar.

E essa é a história da Telefunken, essa pioneira no desenvolvimento de tecnologias de transmissão sem fio, rádios, TVs e aparelhos de som com uma trajetória meio confusa, mas de muita nostalgia. Se você quiser a história de uma empresa, produto ou serviço contada aqui no canal, é só deixar o seu comentário.

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