O obscuro e lucrativo mundo da compra e venda de domínios

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Imagine que você acabou de abrir uma pequena empresa ou um blog e deseja registrar o domínio do empreendimento. Você acessa o endereço para se certificar de que não existe nada com aquele nome ainda e... Já existe algo lá.

Não há um site em si montado, mas a página já pertence a alguém. Essa pessoa comprou o domínio para uso pessoal ou, dependendo do valor da combinação de palavras, está “reservando” o nome e renovando a assinatura até aparecer alguém interessado.

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Isso é comum na internet: há pessoas que ganham a vida (ou trocados extras bem generosos) vasculhando domínios que ainda não foram comprados ou que expiraram e se especializam na comercialização desses nomes, que podem ser pedras preciosas no mundo virtual. Nem todos os processos estão dentro da lei, mas os envolvidos nesses esquemas são tão malandros – e os advogados e trâmites podem ser tão caros – que em muitos casos é preciso entrar nesses mercados obscuros para fazer algum negócio.

Afternic e os saldões virtuais

A partir de sites como o Who.is ou o Registro.br, você pode saber (não em todos os casos, é verdade) quem é o dono de um domínio, com direito a nome e email. A partir daí, é possível entrar em contato com o tal senhorio virtual e pedir pela liberação gratuita ou por um preço – geralmente o segundo.

Porém, existe uma forma mais profissional de fazer isso. O site Afternic, por exemplo, é uma espécie de Mercado Livre dos domínios: lá estão expostos nomes que não são utilizados, mas pertencem a alguém e são exibidos em prateleiras virtuais.

Há todos os tipos de produtos lá: o tentador hairgrowth.com pode ser usado para tratamentos contra a calvície, por exemplo, e sai por US$ 750 mil (cerca de R$ 2,2 milhões). Já o site Moon.info, que pode virar alguma publicação científica, é mais em conta: US$ 11,9 mil (aproximadamente R$ 36,5 mil). Alguns domínios não possuem preço fixo, o que pode significar que valores altos serão pedidos. O makemelaugh.com significa "faça-me rir" em português e pode ser um site de humor campeão de acessos.

O Afternic, entretanto, atua somente como um intermediário nessas negociações: os usuários cadastram domínios por lá para revenda, o que não é nada exatamente ilegal. O site não possui um controle muito rigoroso sobre os endereços lá comercializados, mas deixa claro que conflitos com marcas registradas ou de conteúdos adultos não são aceitos.

Alguns domínios à venda no Afternic.

Há quem ache a oferta do Afternic cara demais e busque contato direto com os donos – ou esteja do outro lado, comprando domínios sem parar esperando algum interessado morder a isca.

O poder dos negócios

O podcast ReplyAll contou uma dessas histórias. Max e Aaron, que criaram o site de contação de histórias LongForm.org, queriam obter o domínio LongForm.com — o “com”, que é de “comercial”, antes era só usado para designar companhias de comércio com representação virtual, mas há alguns anos virou a terminação de domínios mais popular, cara e procurada. Ele havia sido adquirido, mas estava sem conteúdo. Ao entrar em contato com o dono, uma surpresa: o sujeito pediu US$ 30 mil (cerca de R$ 90 mil). Como pagar tudo isso só por um único nome nem tão valorizado assim?

Quem está mais desesperado, tem esse dinheiro para gastar ou não faz ideia de quanto custa o registro pode até desembolsá-lo. Depois de muita conversa e de acidentalmente revelarem que eram os donos do LongForm.org, aumentando o valor pessoal da mercadoria para eles, os sócios receberam o ultimato de US$ 25 mil. Por terem recusado, o sujeito aparentemente vendeu a marca por um preço desconhecido para outra companhia.

Existem ainda empresas que fazem prospecção de domínios para marcas, como a Mark Monitor. Foi ela que comprou a LongForm.com, apesar de não ter informado o motivo da aquisição. É assim que ela funciona: suponha que você vai abrir uma loja de sucos de laranja e tenta registrar "sucodelaranja.com". Se ele já estiver disponível, a Mark Monitor faz de tudo para comprar o registro (dependendo do valor e de quanto o contratante estiver disposto a desembolsar, claro), além de buscar dezenas de variáveis — sucosdelaranja.com, lojadesucodelaranja.com, compresucodelaranja.com e por aí vai.

Max e Aaron recusaram todas as “ofertas” e o LongForm.com continua inativo, apesar de, aparentemente, ter mudado de dono para um proprietário anônimo.

Michael Berkins, o magnata dos domínios

O homem que comprou o LongForm.com pela primeira vez e revendeu a alguém é Michael Berkins. Ele é um especialista e uma espécie de celebridade na área: alega que comercializa "alguns milhares" de domínios por ano e faz "mais de 1 milhão de dólares" com revendas pela loja MostWantedDomains. Em 2012, ele comprou o meet.me (que pode ser traduzido como "encontre-me") por US$ 5,8 mil e revendeu por US$ 450 mil, um dos recordes no setor.

"Eu penso que existem pessoas que possuem uma visão que enxerga essas coisas. Eu vou para uma lista de 100 mil domínios que são disponibilizados todos os dias e vejo 20 ou 30 que valem alguma coisa. Acho que é um talento", explicou ao Reply All. É puro instinto de vendedor. Berkins começou a investir em domínios em 1997, quando a bolha da internet estava prestes a estourar: ao mesmo tempo em que negócios virtuais não paravam de surgir, indicando um mercado em crescimento, vários outros fechavam as portas, liberando endereços valiosos.

Ele é advogado e também é dono do TheDomains, um site especializado em domínios que publica notícias e artigos sobre o tema. Ou seja, o negociador profissional busca não fazer nada que seja considerado criminoso do ponto de vista legal — mas isso não significa que um pouco de malandragem não seja necessário.

A questão legal

O TecMundo conversou com a advogada Fernanda Pascale, da Leonardi Advogados, para saber um pouco mais da visão jurídica sobre o assunto no Brasil. Para começar, a Lei 9279/96 garante ao titular de uma marca registrada no Brasil o direito de uso exclusivo (em território nacional) da marca para produtos ou serviços específicos que sejam abrangidos pelo registro. A marca fica segura no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

O problema, entretanto, é quando alguém inicia um serviço idêntico ou semelhante ao que o titular da marca já explorava sob o mesmo nome. “Não há razão para se impedir de antemão o registro de marcas existentes como nomes de domínio, pois, se o serviço a ser explorado sob aquele domínio não conflitar com o já explorado sob aquela marca, não haverá violação. Existem diversas marcas iguais que coexistem para serviços e produtos diferentes. Por exemplo, ‘Veja’, que é revista e produto de limpeza”, explica a advogada.

O veja.com.br é da revista, mas ambos os serviços possuem endereços diferentes.

Ou seja, nomes de domínios registrados e utilizados em violação ao direito de titulares de marcas são passíveis de ação judicial. A mera comercialização de domínios entre pessoas particulares não é nada ilegal ou “por fora” do mercado.

Na legislação brasileira, não há a exigência de qualquer formalidade para que um nome de domínio seja comercializado. As complicações não param por aí: se o domínio for “.com”, aplicam-se as regras dos Estados Unidos. Se ambos os envolvidos (quem registrou e o dono da marca) forem brasileiros, entretanto, pode ocorrer litígio e o Judiciário daqui pode obrigar o infrator a transferir o domínio ao legítimo titular.

O que fazer? Como se proteger?

Como um empresário, proprietário ou simples dono de blog pode garantir uma segurança nesses casos? "Uma estratégia seria registrar suas marcas como nomes de domínio, principalmente se pretende lançar novos produtos no futuro e com alcance a outros países além do Brasil", diz Fernanda.

Ainda assim, ela recomenda que o empresário e o advogado de propriedade intelectual conversem antes para evitar investimentos desnecessários ou economias exageradas que podem virar prejuízos. Não pense que é tão fácil assim: a manutenção do portfólio de propriedade intelectual exige critério e cuidado com prazos e renovação de nomes de domínios. Até mesmo grandes empresas e instituições podem derrapar.

O time brasileiro de futebol Coritiba, do Paraná, é um dos exemplos negativos. No início de 2015, em meio à transição de diretorias e crises financeiras, o clube deixou expirar o domínio coritiba.com, prontamente adquirido por um espanhol. Por conta da necessidade imediata em recuperar o endereço, o Coritiba negociou sem os trâmites legais — que poderiam chegar a R$ 5 mil, fora os honorários do advogado. O clube pagou ao sujeito "só" US$ 500 (cerca de R$ 1,4 mil) pelo domínio. O dinheiro é pouco perto do salário de alguns craques, é verdade, mas é um valor 45 vezes maior do que a anuidade de renovação.

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