Recebemos o clássico spam do príncipe nigeriano e fomos até o fim do golpe

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Junto com a criação da internet, surgiram também os crimes na internet. Afinal, a possibilidade de ganhar dinheiro em cima de quem não sabe usar o PC com segurança é tentadora: alvos de qualquer canto do mundo, quantias variadas em moedas que podem estar valorizadas e histórias mirabolantes.

Hoje em dia, os golpes cresceram em quantidade, mas se tornaram diretos. Há um link específico para que a vítima clique, um endereço com sites falsos ou as famosas “fotos da festa que ficaram ótimas”. Porém, existe um tipo de esquema por email que é o crime moleque, de raiz: aquele em que um suposto advogado alega que um ricaço ou príncipe (insira aqui qualquer nacionalidade africana) escolheu você sem motivos aparentes para receber uma imensa quantia em dinheiro de forma quase gratuita. Parece (e é) algo bom demais para ser verdade.

Essa forma de roubar dinheiro já tem vários anos, mas não morre: muda a história, mas lá está o email em sua caixa de spam. Eu recebi um desses e, em vez de enviá-lo diretamente à Lixeira, respondi o sujeito e me fiz de bobo para ver até onde o criminoso chegava. As conversas aconteceram em inglês e estão reproduzidas parcialmente nos prints e nos trechos traduzidos em itálico. A seguir, você confere essa trama digna de um filme policial.

Uma jornada inesperada

Para a nossa tristeza, o email não era de um príncipe. O remetente do email é John Nanah, um advogado de Togo, um pequeno país do oeste africano. Segundo ele, em 2012, um de seus clientes faleceu: o Engr. (sim, ele inseria o cargo de engenheiro antes do próprio nome!) Jose Rojas Restrepo, que seria meu conterrâneo — apesar do nome nada brasileiro. Vítima de um câncer no pulmão, ele deixou um total de US$ 7,7 milhões no banco, valor que em breve será confiscado pelo governo local ou declarado inutilizável. Como nenhum parente foi localizado, fui escolhido para essa tão nobre missão.

O email original do golpe. Quem nunca recebeu desses?

Em outro email, ele tentou me convencer de que tudo era legalizado.

"Por favor, compreenda que o direito na lei de heranças não é limitado às relações com o falecido nem é confidencial ao circuito de relações parentais. Pelo contrário, é de escolha dos benfeitos em vista de quem ele/ela deseja que será (beneficiado) ou por escrito, ou informalmente em documento ao beneficiado. (...) Eu não conheço você pessoalmente, mas sinto que será humano o bastante para ser honesto comigo ao menos por levá-lo a um acordo tangível para ambos".

No fim das contas, nem eu nem Nanah honramos o compromisso com a honestidade em nossos papos. A linguagem é formal, com alguns termos jurídicos e econômicos, mas o inglês é de se desconfiar e as frases parecem prontas demais, até mecânicas. Logo de cara, percebe-se que aquilo é um golpe. O tal confisco não faz o menor sentido, mas resolvi responder. Desculpem os erros de inglês: estava animado com a oportunidade e enviei sem qualquer revisão.

"Sr. Nanah, que infelicidade ouvir sobre o seu cliente. Estou interessado em dar meu consentimento e receber essa quantia. Compreendo que o legado de meu colega conterrâneo precisa seguir adiante. Como podemos proceder legalmente com a transferência? Agradeço ainda por me escolher para uma tarefa de tamanha importância."

A resposta veio em um email no mesmo dia. John Nanah, que está cada vez mais amigável comigo, novamente pede total confiança e alguns dados pessoais. Passo um nome falso — Nilton, que aparece no email, e William Gates, em homenagem ao fundador da Microsoft, como sobrenomes. O endereço também é inexistente, sendo Rua dos Alfeneiros, número 4, o endereço de Harry Potter. Fui um pouco malandro demais e desconfiei que não receberia mais mensagens. Nanah, entretanto, não havia desistido de mim.

A trama fica mais densa

O negócio é mais complexo do que parece e o personagem do advogado provavelmente é um veterano nos golpes, pois sabia bem o que falar. Ele até dizia que viria ao Brasil após a transação para conversarmos, para que eu repasse a porcentagem dele e para que ele e a esposa passeiem pelo país e, quem sabe, realizem algum investimento. Ah, o acordo inicial foi quebrado pela primeira vez: ele receberia 60% dos tais US$ 7,7 milhões, enquanto eu ficaria com o resto do montante. Resolvi brincar um pouco na mensagem seguinte e entrar no personagem da vítima ingênua.

"Sr. Nanah, depois dessas tecnicalidades, o que faço para proceder? Por favor, envie meus cumprimentos à sua esposa, que tem um maravilhoso e bem-intencionado marido ao lado".

É aí que entra um novo personagem na história: o banco BIA Togo, que fica na capital Lomé e realmente existe. Desconfio, entretanto, que ele não possua um SAC com email cadastrado no Outlook, como foi passado na mensagem. Tudo o que eu deveria fazer era enviar um email à instituição com um documento nada oficial em anexo para “dar entrada na transferência” — provavelmente um sinal interno de que alguém mordeu a isca.

John Nanah não é da realeza, mas foi impossível não relacionar um nobre malandro com o personagem de Eddie Murphy em "Um Príncipe em Nova York".

Resolvi arriscar mais um pouco e falei ao meu contato que estava com um pouco de receio em prosseguir, já que há vários esquemas e golpes na internet. Agora não tinha jeito: estava na cara que eu sabia do esquema. Porém, fui surpreendido com uma tonelada de novas informações que deveriam comprovar a veracidade da transferência bancária. Ele até pareceu um pouco irritado com a minha dúvida, mas não perdeu o espírito esportivo e alegou que, se eu tivesse que desembolsar algo com aquilo, não era hora para preocupações.

“Entendo a essência da sua resposta, mas você distorceu minhas intenções. Contatei você para esse negócio para nosso benefício mútuo. (...) Há fraude nos EUA e muitos crimes que vemos diariamente no Discovery Channel (...), mas isso não faz de todos os americanos criminosos. Você precisa entender que essa transação tem pouco ou nada a ver com fraudes ou algo ilegal”.

Entendeu? Pois é, nem eu.

Dando um golpe no golpe

Como um bom spammer, Nanah sempre me avisa que tudo é verídico, que a palavra dele é de confiança e que as minhas respostas precisam ser urgentes – além de abusar do Caps Lock. Ele alega ainda que tudo deve ser tratado de forma "TOP SECRET". Em um novo email, enviou dois anexos para me convencer de vez: um era a certidão de óbito do tal Engr. Jose Rojas Restrepo (sim, o cara é engenheiro até na morte!), enquanto o outro era o comprovante do depósito das economias do falecido.

Impossível segurar o riso: os documentos têm erros de digitação e uma identidade visual divertidamente amadora. Como o meu personagem é um pobre coitado, não questionei nada. Nessa altura do campeonato, já perdi a paciência e a formalidade dos primeiros emails, caindo de vez na zoeira: começava as mensagens ao banco com “Hello, bank” e terminava recados com “Que a Força esteja com você” ou “Vida longa e próspera”. O próprio criminoso não possuía a mesma formalidade, já bem mais seco e claramente impaciente.

Nanah vira apenas um intermediário: pede que eu avise a ele sobre as novidades e converse com o banco. Ainda com dúvidas falsas, perguntei a ele por que fui escolhido entre tantos brasileiros por aí.

"Na verdade, foi por intervenção divina e por eu ter confiança em você e de que não haverá traição ou desapontamento de sua parte depois que os fundos forem transferidos".

Ah, agora está explicado! O banco ainda me pediu um passaporte (peguei um modelo com todas as informações borradas da internet e colei uma foto de um homem aleatório achado nas imagens do Google) e os dados do próprio engenheiro Restrepo, que repassei pedindo pressa. Afinal, não está fácil para ninguém, não é mesmo?

A hora da verdade

Quando eu achava que tudo estava enrolado demais, eis que o email fatídico chega quase três dias depois do início das conversas. É do banco BIA e conta com mais formulários e comprovantes anexados.

“Aconselhamos você urgentemente a preencher o formulário de aceitação e pagar nossa taxa de serviços de apenas US$ 960. Essa taxa de processamento nos ajuda a ter a aprovação do banco do Estado do oeste africano, do Ministério das Finanças e o certificado de legalidade aqui na Alta Corte de Lomé em seu nome, para que eles e o instituto financeiro do seu país saibam que esses fundos pertencem a você sem qualquer problema. Por esse fundo ter mais de um milhão de dólares, ele tem que ser legalizado”.

Aleluia! Depois de muita conversa, finalmente recebemos o pedido de dinheiro. A quantia pode parecer pequena, mas um dólar vale 577.549 francos CFA, que é a moeda de Togo. Noto que o dono da conta bancária é Christopher Benjamin Onyekachi — seria este o nome verdadeiro do meu brother Nanah?

Há ainda um longo formulário a ser preenchido, mas ignorei e eles não se importaram. De qualquer forma, respondi que não poderia pagar a quantia, pois a situação no Brasil não era nada boa. Citei escândalos de corrupção, a alta do dólar e outras piadas internas só para confundir e sensibilizar o rapaz. Não deu muito certo.

"Eu não compreendo você muito bem, favor explicar o que você quer dizer com isso. Não saberei quanto tempo você vai levar, mas você me pede para esperar por outro contato? Você está dizendo que não vai pagar a pequena taxa de US$ 960 que o banco demandou? Se é isso, então estou altamente desapontado, realmente pensei que poderia confiar em você!"

Toda a saga de John Nanah e do banco de Togo para descolar uns dólares de um inocente.

O email seguinte veio com um só título e conteúdo: “WHY SILENT?” (“Por que silencioso?” em tradução livre e sem a interrogação no corpo do texto). Continuei falando que o país estava complicado economicamente e que não tinha condições de efetuar o depósito. Nanah, fulo da vida e começando o email com "Saudações do Calvário em nome de Jesus", me mandou um ultimato e até cortou o valor pela metade em um ato de desespero — agora, ele arcaria com 50% e eu só precisava enviar US$ 480. Essa foi a última mensagem trocada entre nós.

Não é fácil ser vítima do golpe do Sr. Nanah: há muita burocracia falsa envolvida e é fácil desconfiar da história maluca. Ainda assim, esses emails continuam sendo enviados há anos (veja aqui uma lista com algumas das variações), sempre com nomes e situações diferentes, o que sugere que isso já funcionou ao menos uma vez.

Eu “caí” no golpe para fins unicamente jornalísticos e já cortei o contato com os malandros. Não recomendamos que você responda aos falsos advogados: continue fazendo o de sempre, que é pegar a mensagem e jogá-la direito na lixeira virtual.

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