Um ano de pandemia: covid-19 expôs o melhor e o pior do mundo

7 min de leitura
Imagem de: Um ano de pandemia: covid-19 expôs o melhor e o pior do mundo
Imagem: Getty Images/Reprodução

Era 31 de dezembro de 2019 e o mundo estava se preparando para a virada do ano quando um escritório da Organização Mundial de Saúde (OMS) recebeu do governo chinês o aviso de que uma nova forma de pneumonia havia surgido na cidade de Wuhan provocada por nova cepa de coronavírus, o causador da síndrome respiratória aguda grave 2 (Sars-CoV-2). A covid-19 havia começado a se espalhar.

Acredita-se (mas até hoje não há certeza) que o vírus pulou a barreira entre as espécies no Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan, que comercializava animais vivos. O código genético do novo coronavírus foi rapidamente sequenciado por cientistas chineses e disponibilizado para laboratórios do mundo todo. Inicialmente, a doença não se mostrou tão grave como a Sars, e sim mais virulenta.

.  Business Insider/Reprodução 

Janeiro avançou, e, com as viagens de férias, a doença se espalhou pela China, principalmente por causa das comemorações do Ano-Novo Chinês, em 25 de janeiro, e embarcou para outros países no sistema respiratório de turistas. Se no início a OMS havia relutado em declarar que o surto de covid-19 era uma emergência sanitária, mudou de ideia em 30 de janeiro. O número de mortes ultrapassou 800 na primeira semana de fevereiro, chegando a 3 mil em março — a Sars matou 774 pessoas em todo o mundo entre 2002 e 2003.

Com equipamentos de proteção, médicos levam um paciente infectado para um hospital em Seul, na Coreia do Sul, em março de 2020.Com equipamentos de proteção, médicos levam paciente infectado para hospital em Seul (Coreia do Sul) em março de 2020.Fonte:  Getty Images/Chung Sung-Jun/Reprodução 

Registros da doença começaram a ocorrer fora da China: o primeiro na Tailândia, em 13 de janeiro, seguido de relatos no Japão, na Coreia do Sul, em Taiwan, nos Estados Unidos, em Hong Kong, em Macau, em Singapura, na França (o primeiro na Europa), no Nepal, no Vietnã, na Malásia, na Austrália, no Canadá, na Alemanha, na Finlândia, nos Emirados Árabes Unidos, no Sri Lanka, na Itália, no Brasil, na Índia, nas Filipinas e no Reino Unido.

.  Business Insider/Reprodução 

A confirmação divulgada pela Comissão Nacional de Saúde da China de que a doença podia ser transmitida entre seres humanos foi seguida da notícia de que pessoas infectadas, mas ainda sem sintomas (assintomáticas), podiam transmitir a covid-19, que se mostrou dez vezes mais mortal do que a gripe H1N1.

A Itália decretou lockdown para tentar deter o avanço desenfreado da doença e impedir o colapso de seus já combalidos sistemas de saúde e funerário enquanto a OMS declarou que o planeta vivia, oficialmente, uma pandemia, com todos os continentes habitados com casos registrados de covid-19, momento em que a busca por uma vacina começou nos laboratórios mundiais.

.  Business Insider/Reprodução 

Sem controle de fronteiras ou triagem nos aeroportos, os primeiros estrangeiros infectados desembarcaram no Brasil para aproveitar o verão e o Carnaval ao mesmo tempo em que brasileiros foram passar férias na Europa, o que contribuiu para a disseminação do novo coronavírus. Nesse contexto, o embate político entre governo federal e governadores foi crescendo, gerando uma briga pelo insumo mais valorizado e então escasso no planeta: respiradores.

O Bloco Bicho Maluco Beleza reuniu cerca de 60 mil pessoas em seu desfile no carnaval paulista de 2020.O Bloco Bicho Maluco Beleza reuniu cerca de 60 mil pessoas em seu desfile no carnaval paulista de 2020.Fonte:  Folha de S. Paulo/Edson Lopes Jr./Reprodução 

Ajuda financeira

Muitos países começaram a se endividar para manter seus habitantes em casa e evitar o colapso da economia: os EUA aprovaram, em março, o maior pacote de estímulo fiscal de sua história, no valor de US$ 2 trilhões, seguido de US$ 900 milhões no fim de dezembro. A União Europeia criou um fundo de 750 bilhões de euros para o resgate da economia dos países do bloco no pós-pandemia.

.  Business Insider/Reprodução 

Em abril, o governo brasileiro enviou para análise e aprovação do Congresso um pacote de R$ 200 bilhões (que incluía o auxílio emergencial de R$ 600 mensais para trabalhadores atingidos pelas restrições) para mitigar os efeitos da pandemia.

Sem uma política sanitária clara e centralizada, o país rapidamente passou a ocupar o segundo lugar no quadro global de contaminações e mortes pela doença, atrás apenas dos EUA. Manaus (AM) viu seu sistema de saúde colapsar enquanto chefes dos executivos federal, municipal e estadual negavam a pandemia ou impunham regras rígidas de isolamento, como o fechamento do comércio e a proibição de circulação (mas não sem protestos de parte da população).

Coveiros abrem novas sepulturas no Cemitério de Vila Formosa (São Paulo), em abril.Em abril, oveiros abrem novas sepulturas no Cemitério de Vila Formosa (São Paulo).Fonte:  Reuters/Amanda Perobelli/Reprodução 

As curvas de contaminação e mortes apenas cresceram. As consequências da falta de um plano nacional de combate à doença não demoraram a surgir: entre março e maio, o número de vítimas subiu rapidamente, chegando a 1.169 mortos em 22 de maio.

Frente científica

Com o vírus já presente no mundo inteiro, a comunidade científica lutou para conseguir o máximo de informações possível sobre a covid-19. Começaram a surgir relatos do efeito devastador da doença no corpo humano, atingindo não apenas pulmões mas também coração, rins, fígado, vasos sanguíneos e cérebro.

.  Business Insider/Reprodução 

A busca por um tratamento eficaz acabou se concentrando em quatro drogas: remdesivir, hidroxicloroquina, lopinavir e interferon, além de um coquetel com interferon e lopinavir. O estudo Solidariedade, da OMS, envolveu mais de 11,3 mil adultos internados em 405 hospitais de 30 países.

Dos quatro medicamentos, dois foram descartados em junho. Uma pesquisa no Reino Unido com a hidroxicloroquina e a combinação de ritonavir e lopinavir revelou que nenhum deles aumentou a sobrevida de pacientes com covid-19.

Em outubro, os testes com os antivirais remdesivir e interferon, que representavam a grande esperança de um tratamento contra a doença, falharam em aumentar a sobrevida de pacientes infectados com o novo coronavírus, enquanto os casos aumentavam vertiginosamente no mundo.

Ainda não há uma droga que combata diretamente o coronavírus.

Rebeldia explosiva

Outubro viu os casos explodirem nos EUA em meio às agitações da campanha eleitoral para presidência. A Europa começou a ter as primeiras manifestações contra o uso de máscaras e o isolamento social. No Brasil, o número de casos chegou a se estabilizar em cerca de 300 mortes por dia.

A segunda onda da doença, porém, alcançou a Europa depois de passar pela Ásia em julho. Os EUA começaram a sentir, em novembro, os efeitos da terceira onda, a mais letal até agora. No fim do ano, governos lutaram contra uma parcela da população que se recusou a ficar em casa, a usar máscaras e a manter o distanciamento social enquanto no Reino Unido uma nova variante da doença, mais contagiosa, foi descoberta.

A enfermeira Amanda Ramalho é uma das profissionais de saúde à frente do combate à covid-19; Pelotas (RS), onde ela atua, está hoje sob bandeira vermelha (alto risco de contágio da doença).A enfermeira Amanda Ramalho é uma das profissionais de saúde no combate à covid-19; Pelotas (RS), onde ela atua, está hoje sob bandeira vermelha (alto risco de contágio).Fonte:  Instagram/Amanda Ramalho/Reprodução 

Os efeitos dessa rebeldia foram sentidos principalmente pelo corpo de enfermagem que enfrenta uma luta diária contra a doença. O Brasil, entre as 200 mil mortes por covid-19 alcançadas em janeiro deste ano, soma 500 enfermeiros, técnicos, auxiliares de enfermagem e obstetrizes que sucumbiram à doença em 1 ano de trabalho no combate ao novo coronavírus — destes, 30 profissionais morreram apenas na primeira semana de 2021, segundo dados do Conselho Federal de Enfermagem.

O Brasil é responsável por um terço das mortes globais de profissionais de saúde por covid-19.

Desigualdades

A covid-19, além de deixar o mundo de cabeça para baixo, expôs de forma jamais vista as desigualdades sociais. Segundo dados divulgados em dezembro pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a pandemia pode levar 1 bilhão de pessoas à extrema pobreza até 2030.

Segundo as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgadas em outubro no relatório World Economic Outlook, a economia mundial deve encolher 4,4%: “A recessão é profunda, e a recuperação será longa, irregular e incerta”. Para 2021, o FMI prevê que o Produto Interno Bruto (PIB) global crescerá 5,2%, abaixo dos 5,4% previstos no ano passado. As notícias não são boas para o Brasil: o organismo projeta recuo de 5,8% no PIB de 2021.

3,5 bilhões offline

O mundo passou a depender da internet, mas ela não estava disponível para metade do planeta. Estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam que 46% da população mundial ainda não estão conectados às redes; isso significa que, com o confinamento, quase metade dos habitantes da Terra perdeu acesso a informações sobre o desenrolar da pandemia, trabalho remoto, telemedicina e aulas online.

.  Business Insider/Reprodução 

"Sempre dissemos que há cerca de 3,5 bilhões de pessoas que não estão conectadas, mas sabemos que esse número é maior agora, porque pessoas que costumavam entrar na internet em seus locais de trabalho e outros espaços públicos não têm mais esse acesso", disse à CNN a vice-diretora da Aliança para uma Internet Acessível (A4AI), Eleanor Sarpong.

Segundo ela, "a covid-19 mostrou que existe um grande fosso, e na verdade isso foi um choque para alguns governos. Quando pediram para seus funcionários trabalharem de casa, muitos deles não podiam por não ter internet".

No chão de casa, em uma favela de São José do Rio Preto (SP), uma mãe tenta ensinar os filhos sem um computador ou internet. Segundo o IBGE, 46 milhões de pessoas no Brasil não têm acesso às redes.No chão de casa em uma favela de São José do Rio Preto (SP), uma mãe tenta ensinar os filhos sem computador ou internet.
Fonte:  Diário da Região/Guilherme Baffi/Reprodução 

O ano de 2020 deixa para governos e a comunidade científica importantes lições de como um vírus pode ter o potencial de desestruturar todo um planeta, expondo de injustiças sociais a políticos incompetentes.

"Esperávamos que algo assim acontecesse. Essas doenças estão surgindo com mais frequência nos últimos anos como resultado da invasão humana ao habitat selvagem e do aumento do contato e do consumo de animais selvagens pelas pessoas”, disse o epidemiologista Andrew Cunningham, da Sociedade Zoológica de Londres, em maio. "A pandemia de covid-19 não será a última pela qual o mundo passará", finalizou.

Você sabia que o TecMundo está no Facebook, Instagram, Telegram, TikTok, Twitter e no Whatsapp? Siga-nos por lá.