Lan houses: um mercado em declínio ou em transformação?

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(Fonte da imagem: Reprodução/Emmynet)

Um projeto de lei recentemente aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado causou certo rebuliço entre aqueles que acompanham todas as novidades do mundo da tecnologia. Batizado como “Lei das lan houses”, o PLC 28/2011 é de autoria do deputado Vieira Reis (PMDB/RJ) e “declara tais estabelecimentos como de especial interesse social para universalização do acesso à rede mundial de computadores”.

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Em outras palavras, caso seja aprovado por todas as comissões necessárias e receba a sanção presidencial, o projeto categorizará as lan houses como locais de suma importância para a cidadania e a democracia, possibilitando acesso facilitado às novas tecnologias por parte da população brasileira. Com isso, donos desses estabelecimentos podem se beneficiar de linhas de financiamento especiais para aquisição de computadores e outros componentes relacionados ao seu empreendimento.

O que deixou muita gente com uma pulga atrás da orelha foi a ideia de que as lan houses estão em extinção, visto que está cada vez mais fácil adquirir um computador pessoal e assinar um plano de banda larga. Nesse cenário, tal projeto de lei se provaria completamente inútil, visto que poucos empreendedores se interessariam por investir em um negócio fadado à falência, correto? Errado.

Afinal, as lan houses ainda têm utilidade no Brasil? (Fonte da imagem: Reprodução/IGEPRI)

Mas, afinal, como as lan houses surgiram?

Para entender melhor o assunto, é importante conhecer mais a fundo as origens das lan houses e seu público-alvo original Tudo começou em março de 1988, na Coreia do Sul, quando foi inaugurado oficialmente o primeiro cyber café do mundo. O estabelecimento (que jamais teve um nome oficial) continha apenas dois computadores de 16 bits conectados a uma rede telefônica e era voltado para os estudantes da Universidade Hong Ik, que podiam se encontrar no local para trabalhar e comer alguns petiscos.

Alguns anos depois, nascia na mesma região o Netscafé, primeiro a oferecer seus serviços de forma comercial para qualquer cidadão coreano. Quem pagasse 5 mil wons (cerca de R$ 11 na cotação atual) podia permanecer durante uma hora em uma das dezessete máquinas disponíveis no local (dez PCs Pentium, cinco Macs e duas estações de trabalho da Silicon Graphics). Em 1991, o fenômeno começou a contagiar os Estados Unidos e, posteriormente, o resto do mundo.

Mas foi só no final da década de 90 – com o lançamento de games focados no modo multiplayer, como StarCraft e Counter-Strike – que os cyber cafés aos poucos foram mudando seus focos e adotando o nome “lan houses”. O foco mudou da pura internet para a jogatina multiplayer, e não demorou muito para surgirem os primeiros “corujões” (sessões noturnas ininterruptas) e as “lan parties” (festas fechadas nas quais cada um dos participantes levava o seu próprio computador).

Cyberia, um dos primeiros cyber cafés dos Estados Unidos (Fonte da imagem: Reprodução/SylvanTech)

E a febre chega a nosso país

No Brasil, a primeira grande rede de lan houses foi a Monkey Paulista, que teve sua primeira unidade inaugurada em 1998 pelo empresário Sunami Chun (brasileiro, mas com descendência asiática). Disposto a trazer o conceito para as terras tupiniquins, o executivo adotou jovens de classe média alta como público-alvo e conseguiu abrir cerca de 50 filiais ao redor de todo o território nacional.

Mas esse tempo de glória não durou tanto, e em 2010 a Monkey já sentia os efeitos da popularização dos desktops, que ficavam cada vez mais baratos e acessíveis. Nessa altura do campeonato, várias unidades da rede (especialmente as localizadas em regiões nobres) começaram a fechar as portas por conta da pouca procura pelos seus serviços.

Contudo, três anos após o declínio da rede Monkey, alguns centros de inclusão digital (CIDs) ainda conseguem sobreviver nas regiões mais isoladas e carentes. Estima-se que ainda existam pelo menos 100 mil estabelecimentos espalhados em pequenas comunidades ao redor do país, e eles não parecem se abalar frente ao crescente número de aparelhos eletrônicos dentro dos lares das famílias brasileiras.

Exemplo de "lan party". Nada mal, não é mesmo? (Fonte da imagem: Reprodução/LiliReviews)

Nem todo mundo tem um computador

Conforme a última pesquisa do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC), 19% da população urbana brasileira acessa a internet através de lan houses, cyber cafés e outros estabelecimentos comerciais. Desse montante, 25% são estudantes do ensino fundamental e a grande maioria (40%) sobrevive com renda familiar equivalente a um salário mínimo, classificando-os como cidadãos de classe D ou E.

A mesma pesquisa aponta que a maior procura por centros de acesso pago é proveniente da região nordeste do país, onde apenas 31% dos domicílios possuem um computador convencional (conectado ou não à internet). Nesses locais – onde adquirir dispositivos eletrônicos ou assinar um plano de banda larga é algo inviável para a maioria das pessoas –, as lan houses desempenham um papel importante na vida dos cidadãos brasileiros.

No nordeste, apenas 31% dos domicílios possuem um computador (Fonte da imagem: Reprodução/BlouinNews)

Para a Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital (ABCID), as lan houses representam muito mais do que um simples entretenimento e deveriam receber mais atenção das organizações governamentais. A assembleia foi criada em 2006 com o intuito de oferecer suporte a novos empreendedores do ramo e para lutar a favor de iniciativas públicas que possam fomentar o mercado de CIDs no território nacional.

Em seu site oficial, a instituição destaca algumas de suas prioridades políticas. Entre as reinvindicações, encontram-se a criação de programas de incentivo para adoção de software livre, facilitação para a compra e reposição de máquinas, criação de cursos públicos para capacitação de monitores e remoção de alguns entraves legais que dificultam a abertura de um novo negócio. A associação pede ainda a criação de passes que assegurem o livre acesso a qualquer centro de inclusão digital do país por parte de estudantes da rede pública de ensino em qualquer município.

De acordo com a ABCID, o governo precisa investir mais nos centros de inclusão digital (Fonte da imagem: Reprodução/Veja)

Simples, bom e barato

Basicamente, podemos dizer que os centros de inclusão digital deixaram de ser um negócio lucrativo nos grandes centros, mas ainda exercem um papel muito importante em áreas economicamente carentes do país. As lan houses permitem acessar a web por um preço justo e tempo controlado, sendo assim perfeitas para elaborar trabalhos escolares, imprimir currículos, pesquisar vagas de emprego e comunicar-se periodicamente através de mensageiros instantâneos.

Além disso, tais estabelecimentos pagos possuem uma infraestrutura inegavelmente melhor do que a de centros de acesso gratuito (como os telecentros ofertados pelo Ministério das Comunicações), tornando-os bem mais atraentes para o consumidor final. Computadores mais robustos, programas pré-instalados e conexão de maior velocidade são as principais vantagens das lan houses em relação a outros métodos de acesso gratuito disponíveis para os cidadãos brasileiros.

Lan houses ainda fazem sucesso em comunidades carentes (Fonte da imagem: Reprodução/Jim Wiggins)

Direitos e deveres

Mas não pense que os benefícios previstos no PLC 28/2011 são concedidos com tanta facilidade assim: o documento também aponta uma série de regras que precisarão ser seguidas pelos estabelecimentos que pretendem usufruir dos incentivos da lei. O projeto prevê, por exemplo, que as lan houses disponham de implementos técnicos (softwares ou hardwares) capazes de orientar menores de idade em relação a jogos e conteúdos não aconselháveis para a sua faixa etária.

E não para por aí: os centros de acesso também precisam prezar pela privacidade dos usuários, garantir acessibilidade aos deficientes físicos e disponibilizar todas essas informações para seus consumidores – ou seja, qualquer pessoa deverá ter acesso facilitado ao documento descrevendo esses direitos.

Por fim, o PLC 28/2011 também comenta sobre a possibilidade dos governos estaduais e municipais firmarem parcerias com as lan houses beneficiadas para o desenvolvimento de atividades educacionais, culturais e de utilidade pública.

Governo poderá firmar parcerias com lan houses para desenvolver atividades educacionais (Fonte da imagem: Reprodução/Senado)

Será que agora vai?

Em suma, a realidade é que ainda há classes sociais incapazes de adquirir um computador decente e assinar um bom plano de internet. Para essas categorias, os centros de inclusão digital desempenham um papel importantíssimo e ainda contam com um público-alvo bastante fiel.

Dessa forma, é fácil entender por que grandes redes (como a Monkey, que centrava suas filiais em bairros nobres) não sobreviveram aos novos tempos, enquanto os estabelecimentos localizados em regiões mais afastadas ainda conseguem angariar um alto número de consumidores. Podemos dizer que as lan houses voltaram aos seus princípios, focando seus serviços em acesso rápido à internet e abandonando aos poucos a jogatina online.

A falta de regularização para esses empreendimentos forçava muitos cyber cafés a atuarem na informalidade, problema que deve ser resolvido com a aprovação total do PLC 28/2011. Só podemos esperar para ver se o projeto realmente se mostrará útil para fomentar o mercado e acessibilizar a computação para todo o Brasil – afinal, como reforçado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o acesso à internet já se tornou um importante direito humano.

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